O exercício regular do direito de utilizar as redes sociais



O marco civil da internet- lei 12.965/2014- esclareceu que o acesso à internet é essencial ao exercício da cidadania; inclusive, assegura direitos e garantias aos usuários de internet, conforme disciplina o artigo 70 da lei em comento.

É de se admitir que a internet, anteriormente restrita ao ambiente militar e/ou profissional, popularizou-se com o surgimento das redes sociais. Assim, surgiu o interesse dos indivíduos de utilizarem o ambiente virtual como via de comunicação social.

Recentemente[1], o portal oficial Brasil revelou que 102 milhões de brasileiros acessam a internet; isto significa que 58% da população brasileira usam a internet. Ato contínuo, observou-se que o telefone celular é o dispositivo mais utilizado para o acesso individual da internet pela maioria dos usuários: 89%, seguido pelo computador de mesa (40%), computador portátil ou notebook (39%), tablet (19%) e outros meios (21%).

No que concerne à utilização do espaço virtual (internet), a ilustre Rosa Maria Farah, mestre em psicologia clínica, elucida que: ‘’ao lado do identificação do potencial da WEB como campo propício à ampliação da consciência e integração dos aspectos criativos da personalidade dos internautas, é necessário reconhecer os riscos potencialmente envolvidos nas vivências e contatos humanos realizados no universo da virtualidade.’’[2]

Assim, impõe-se acentuar que, atualmente, as redes sociais são meios de exposição voluntária daqueles que nelas se cadastram; tal fato se coaduna com a liberdade de manifestação de pensamento, senão vejamos o que dispõe o artigo , IV, in fine, da Constituição da Republica Federativa do Brasil de 1988 (CRFB/88):

Art. 5º (...)

“IV - é livre a manifestação do pensamento, sendo vedado o anonimato;”

Sucede que o direito à livre manifestação do pensamento deve ser compatibilizado com outros direitos fundamentais, a saber: imagem, honra e dignidade.

De toda sorte, a conduta do usuário de internet na rede social não poderá infringir a Constituição da Republica Federativa do Brasil e a lei 10.406/2002 (Código Civil), senão vejamos os artigos do Código Civil:

“Art. 17. O nome da pessoa não pode ser empregado por outrem em publicações ou representações que a exponham ao desprezo público, ainda quando não haja intenção difamatória.”



“Art. 20. Salvo se autorizadas, ou se necessárias à administração da justiça ou à manutenção da ordem pública, a divulgação de escritos, a transmissão da palavra, ou a publicação, a exposição ou a utilização da imagem de uma pessoa poderão ser proibidas, a seu requerimento e sem prejuízo da indenização que couber, se lhe atingirem a honra, a boa fama ou a respeitabilidade, ou se se destinarem a fins comerciais.”

Isto posto, a respeito da responsabilidade subjetiva (no qual a vítima deverá provar a culpa do agente para obter a reparação do dano) observa-se que o Código Civil brasileiro prevê a exclusão da responsabilidade quando ocorrer a hipótese do exercício regular de um direito reconhecido, conforme artigo 188 do referido código.

Ademais, não é demais lembrar que o limite ao direito à livre manifestação de pensamento nas redes sociais é o direito individual à inviolabilidade da intimidade, da honra, da imagem e da vida privada, que, quando desvalorizadas ou depreciadas por publicações inadequadas, sofrem violação contra a qual a própria Constituição assegura indenização pelo dano material ou moral, conforme artigo , inciso X da CRFB/88, a saber:

‘’Art. 50, inciso X. são invioláveis a intimidade, a vida privada, a honra e a imagem das pessoas, assegurado o direito a indenização pelo dano material ou moral decorrente de sua violação;’’

À luz da jurisprudência dos Tribunais de Justiça dos Estados brasileiros, observa-se o entendimento referente à exclusão de responsabilidade civil extracontratual quando há postagem do usuário, em rede social, sob a justificativa que nem todo comentário gera o dever de indenizar, conforme se verificam abaixo:

‘’CIVIL. DIREITO À HONRA E À IMAGEM. COMENTÁRIOS EM COMUNIDADE DO FACEBOOK. DOLO. AUSÊNCIA DE OFENSIVIDADE. SENTENÇA MANTIDA. 1. Os incisos IV e IX do art. da Constituição Federal dispõe que são livres a manifestação do pensamento e a expressão da atividade de comunicação. 2. O limite ao direito à livre manifestação de pensamento é o direito individual à inviolabilidade da intimidade, da vida privada, da honra e da imagem que, quando depreciadas ou desvalorizadas por publicações inadequadas, sofrem violação contra a qual a própria Constituição assegura indenização pelo dano moral ou material (CF, art. , X). 3. A liberdade de expressão constitui um dos fundamentos essenciais de uma sociedade democrática e o seu exercício deve ocorrer de forma responsável, não se admitindo o anonimato e a violação de direitos fundamentais da pessoa humana. 4. Ausente a conduta ilícita da requerida, uma vez que não é toda e qualquer ofensa, verbal ou escrita que é capaz de depreciar a moralidade e desvalorizar o indivíduo, a fim de sujeitá-la à reparação de indenização a título de danos morais. 5. Recurso desprovido.’’

(TJ-DF 20130111541778 0039335-03.2013.8.07.0001, Relator: JOSAPHA FRANCISCO DOS SANTOS, Data de Julgamento: 27/07/2016, 5ª TURMA CÍVEL, Data de Publicação: Publicado no DJE : 03/08/2016 . Pág.: 250/256)’’



‘’APELAÇÃO CÍVEL. AÇÃO DE PROCEDIMENTO ORDINÁRIO. POSTAGEM, EM REDE SOCIAL ELETRÔNICA, DE COMENTÁRIO QUE TERIA CAUSADO DANOS MORAIS AO AUTOR. PEDIDO DE RESPONSABILIZAÇÃO CIVIL. SENTENÇA DE IMPROCEDÊNCIA. Comentário em relação a "nova" palavra que não remete necessariamente a qualquer erro, antes a um tipo de neologismo, ou a um mero empréstimo linguístico. Adjetivo "amador" que não encerra qualquer crítica pejorativa, não havendo, no contexto, necessária conotação que envolva juízo de valor entre os termos profissional e amador. Comentário que não faz menção a qualquer nome, não identificando quem quer que seja. Inexistência de prova de que o comentário tivesse abalado psicologicamente o autor, nem como decorrência de supostos prejuízos a sua carreira. RECURSO A QUE SE NEGA SEGUIMENTO. ART. 557, CAPUT, DO CPC.



‘(TJ-RJ - APL: 00036227720138190212 RIO DE JANEIRO OCEANICA REGIONAL NITEROI 2 VARA CIVEL, Relator: JORGE LUIZ HABIB, Data de Julgamento: 03/06/2014, DÉCIMA OITAVA CÂMARA CÍVEL, Data de Publicação: 05/06/2014)’’

‘’DIREITO CIVIL. Ação em que se postula sentença que determine que a ré se abstenha de publicar quaisquer comentários relativos ao autor em redes sociais, além de condená-la a pagar valor a título de dano moral. Sentença de improcedência. Irresignação. Sentença que confirma, posto que a juíza analisara, de forma proficiente, o caso concreto. Apelada relatara, numa rede social, o fim do relacionamento amoroso com o apelante, a sua mágoa pela forma como tal ocorrera. Publicações estas feitas na página pessoal da mesma no Facebook, destinadas a amigos dela. Forma de desabafo, após i estado de depressão profunda, que o fim do relacionamento a fizera mergulhar. Ademais, o que escrevera, também tinha por objetivo, encerrar uma fase de sua vida, desvincular-se, totalmente, da relação amorosa. Enfim, buscar "transformá-la" em uma nova pessoa. Em suma, não se entrevê nas ditas publicações, nada com o condão de ensejar repercussão qualquer, na imagem social, ou profissional do apelante. E, nem a prática de ilícito qualquer apto a configurar o alegado dano moral. Daí, a improcedência da pretensão. Desprovimento.



(TJ-RJ - APL: 00088551220158190042 RIO DE JANEIRO PETROPOLIS 3 VARA CIVEL, Relator: ADOLPHO CORREA DE ANDRADE MELLO JUNIOR, Data de Julgamento: 25/10/2016, NONA CÂMARA CÍVEL, Data de Publicação: 31/10/2016)’’

Soma-se a isso ao fato de que a velocidade das informações presentes nas redes sociais, bem como a facilidade com que os indivíduos delas se desinteressam, demonstram como são temporários os assuntos tratados na internet.

Corroborando com o entendimento em epígrafe, torna-se necessária citar as lições da insigne professora MARIA CELINA BODIN DE MORAES:

“No momento atual, doutrina e jurisprudência dominantes têm como adquirido que o dano moral é aquele que, independente de prejuízo material, fere direitos personalíssimos, isto é, todo e qualquer atributo que individualize cada pessoa, tal como a liberdade, a honra, a atividade profissional, a reputação, as manifestações culturais e intelectuais, entre outros. O dano é ainda considerado moral quando os efeitos da ação, embora não repercutam na órbita de seu patrimônio material, originam angústia, dor, sofrimento, tristeza, humilhação à vítima, trazendo-lhe emoções negativas” (Danos à Pessoa Humana, Editora Renovar, página 156).

Como se vê, o exercício regular do direito de utilizar as redes sociais consiste em respeitar o ordenamento jurídico pátrio- Constituição da Republica Federativa do Brasil (CRFB/88), Código Civil, Marco Civil da Internet e os termos de uso e política de privacidade das redes sociais.

À guisa de conclusão, destaca-se que não é qualquer ofensa escrita ou verbal que estará apta a gerar condenação do autor da postagem , na rede social, a título de dano moral ; para que ocorra eventual condenação, a referida postagem deverá ser capaz de desvalorizar e depreciar a intimidade, vida privada, honra e imagem do ofendido.

[1] http://www.brasil.gov.br/cienciaetecnologia/2016/09/pesquisa-revela-que-mais-de-100-milhoes-de-bra...

[2]https://tede2.pucsp.br/bitstream/handle/15894/1/Rosa%20Maria%20Farah.pdf (página 169)


Marcelo Barça Alves de Miranda
Sócio-fundador do escritório Alves De Miranda Advocacia. Colaborador articulista da Revista Consulex e do site Consultor Jurídico . Pós Graduado em Ciências Penais .Especialista em Direito Civil. Atua em questões de Direito Civil; Direito Digital; Direito Imobiliário; Direito do Consumidor; Direito Médico. Inscrito na Ordem dos Advogados do Brasil- seção do Estado do Rio de Janeiro e na seção do Estado de Goiás.