Araruta, azedinha, inhame, cansanção, mangarito, serralha. A princípio, essas plantas podem parecer desconhecidas, mas são, na verdade, antigas tradições culinárias regionais. Algumas destas hortaliças, que já foram muito presentes nos pratos em Minas Gerais, com o tempo deixaram de fazer parte da alimentação da maior parte das pessoas, e agora estão sendo resgatadas.
Segundo dados da Organização das Nações Unidas para a Alimentação e a Agricultura (FAO), desde o ano de 1900, cerca de 75% da diversidade genética das plantas foi perdida porque os produtores rurais deixaram de cultivar variedades locais, preferindo materiais de alta produtividade.
É justamente isso que a Empresa de Pesquisa Agropecuária de Minas Gerais (Epamig), junto à Empresa de Assistência Técnica e Extensão Rural do Estado de Minas Gerais (Emater) e outros parceiros, está buscando mudar. Desde 2008, a empresa desenvolve pesquisas e estimula o plantio e consumo das chamadas hortaliças não convencionais, que, diferentemente daquelas consideradas “hortaliças convencionais”, como alface, batata, couve, tomate, entre outras, não são encontradas regularmente no comércio.
“As pessoas consomem pouca variedade de alimentos hoje. O objetivo é resgatar nossa biodiversidade, além de valorizar os hábitos alimentares regionais e sua qualidade nutritiva, trazendo mais diversidade para a mesa. Uma planta, que às vezes era até capinada e jogada fora como se fosse um mato, é aproveitada”, explica a chefe de pesquisa da Epamig Centro-Oeste, Marinalva Woods Pedrosa.
Além de saborosas e com alto valor nutricional, em geral essas hortaliças são fáceis de serem cultivadas e consumidas. A Epamig busca, desta forma, desenvolver pesquisas e tecnologia para levar à mesa de cada vez mais pessoas estas variedades, menos acessíveis até então.
Para começar o projeto, foram criados, em 2008, dois bancos comunitários de multiplicação e conservação de hortaliças não convencionais, um deles em Três Marias, no Território Central, e o outro no Campo Experimental Santa Rita da Epamig em Prudente de Morais, no Território Metropolitano. “No início, o trabalho foi muito mais de resgate, no sentido de identificar as espécies, com a ajuda das comunidades”, conta Marinalva.
Hoje, são mais de 30 bancos multiplicadores em todo o estado, alguns comunitários e outros geridos pela Epamig. O projeto também tem um caráter educativo, já que, após a verificação das propriedades e do estudo de manejo da planta, a comunidade é ensinada a cultivar e a preparar as hortaliças. “Não adianta só eles aprenderem a plantar, mas também precisam saber como consumir, de forma saudável e saborosa. Resgatamos receitas regionais e também criamos outras com a Emater, que são ensinadas em oficinas”, ressalta a pesquisadora.
Segundo Marinalva, o trabalho de valorização do conhecimento regional popular traz frutos permanentes. “Muitas destas hortaliças, que há quase dez anos estavam praticamente extintas das mesas, já são encontradas com muito mais facilidade nos mercados. Existem pessoas mobilizadas em todo o país para resgatar estas espécies. É uma construção coletiva e contínua”, enfatiza.
Ana Lúcia Fernandes, moradora de Três Marias, integra a Associação de Produtores Rurais do Bonfim (Asbon), que produz e fornece hortaliças convencionais e não convencionais para diversos municípios do estado, e tem algumas variedades plantadas em sua casa, que utiliza para consumo próprio e para a produção de geleias e outros derivados.
“Quando chegaram com a proposta aqui na cidade, a minha sogra, Dona Laura, ficou muito empolgada porque lembrou que fazia as mamadeiras dos filhos com mingau do polvilho de araruta, uma das espécies a serem reinseridas na nossa alimentação aqui”, diz.
Ana Lúcia conta que, à época, foram testadas dezenas de variedades de hortaliças. “As que mais se adaptaram à região e que até hoje temos bastante foram a araruta, a vinagreira – conhecida como hibisco -, a taioba, o inhame, a azedinha, entre outras”, completa.
As plantas, todas cultivadas de forma orgânica, fizeram sucesso nos quintais e nos pratos da cidade. “A maior parte das casas aqui tem uma hortinha. Em casa, tenho uma área de 300 m² plantados. Nossa alimentação melhorou muito, e comercializo alguns dos produtos, como o ora-pro-nóbis, a geleia e as pétalas desidratadas da vinagreira”, destaca ela.
Ana Lúcia se envolveu tanto com o projeto que foi convidada pela Emater-MG para participar da elaboração das receitas com as hortaliças não convencionais, que são ensinadas nas oficinas. O material com os pratos e outras informações, compilado pelo Ministério da Agricultura e elaborado com Epamig e Emater-MG, está disponível aqui.
Assistência técnica
Além das oficinas realizadas dentro do projeto, a Emater-MG oferece assistência técnica direta aos produtores que desejarem cultivar as hortaliças convencionais e não convencionais. É importante buscar orientação dos profissionais, até para ter a certeza de que a planta é comestível, já que algumas espécies selvagens podem oferecer riscos à saúde.
O coordenador técnico estadual de olericultura da Emater-MG, Georgeton Silveira, conta que o trabalho começou a partir da observação, por parte da instituição, da má alimentação no meio rural. “Havia uma baixa ingestão de hortaliças e a adoção de muitos hábitos do meio urbano, de consumo de industrializados e embutidos”, diz.
Para ele, o trabalho tem ainda uma frente no sentido de desmitificar a ideia de que hortaliças não podem render receitas saborosas. Assim, durante as oficinas, são preparados diversos pratos, que são servidos aos produtores. “Depois, em uma etapa final, mobilizamos a comunidade para manter o banco de plantas, trocando sementes e mudas entre eles e multiplicando a iniciativa”, defende.
Atualmente, o projeto trabalha com 34 espécies de hortaliças não convencionais, e, em breve, será lançado pela Epamig, em parceria com a Emater-MG, um informe agropecuário sobre o cultivo destas plantas.
Alternativa de renda
Em Viçosa, no Território Caparaó, a pesquisadora da Epamig Maria Aparecida Sediyama trabalha com a araruta, uma erva brasileira que gera um amido sem glúten em sua composição, e com o mangarito, planta nativa da América do Sul, da mesma família do inhame.
O projeto, que já foi aprovado pela Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de Minas Gerais (Fapemig), objetiva estudar o comportamento das espécies e suas propriedades nutricionais, além do melhor manejo e variedades.
“São plantas que com o tempo ficaram esquecidas, muitas vezes porque foram substituídas por outras com maior produtividade, como a mandioca. Porém, a fécula da araruta, por exemplo, é muito mais nutritiva. O mangarito, por sua vez, tem mais betacaroteno – substância antioxidante que é boa para a saúde – do que o inhame”, destaca.
A pesquisadora acredita ainda que as espécies podem ser uma nova alternativa de renda local, principalmente para as mulheres da região. “São hortaliças rústicas, que exigem menos gasto com defensivos, isto é, são espécies indicadas para pequenos produtores, para geração de renda e também melhoria da alimentação”, afirma Maria Aparecida.
Fonte: Agência Minas