A tutela penal do meio ambiente é usualmente utilizada como exemplo de expansão do Direito Penal, isto é, de interferência do Direito Penal em áreas em que anteriormente não incidia.
No Brasil, a tutela penal do meio ambiente passou a se intensificar com a Lei nº 9.605/98, que disciplinou inúmeros crimes contra o meio ambiente.
Contudo, recentemente, tem-se priorizado uma tutela penal dos animais – e não do meio ambiente em sentido amplo e genérico -, ainda que a legislação pretenda proteger esses seres vivos como patrimônio.
Nesse diapasão, foi publicada a Lei nº 13.330/16, que criou as figuras típicas de furto e receptação de animal semovente domesticável de produção, com penas de 2 a 5 anos de reclusão.
Da mesma forma, foi proposto o PL 5899/16, que pretende aumentar a pena dos crimes de furto, roubo e extorsão quando o objeto material for animal doméstico.
Por sua vez, o PL 1417/15 (leia aqui), sobre o qual comentarei neste artigo, pretende tipificar condutas praticadas especificamente contra cães e gatos. Recentemente aprovado pela Comissão de Meio Ambiente e Desenvolvimento Sustentável, será submetido à Comissão de Constituição e Justiça e de Cidadania.
O PL 1417/15 parece abandonar a lógica de proteção dos animais como patrimônio, ao contrário da Lei nº 13.330/16, que inseriu figuras típicas no rol dos crimes contra o patrimônio. Trata-se de uma visão muito mais focada na vida e na integridade física dos animais do que apenas no prejuízo econômico que os seus possuidores sofreriam com eventual furto, roubo, extorsão ou receptação.
Ademais, a justificativa desse projeto de lei destaca que os crimes contra animais sensibilizam toda a sociedade, de modo que cabe a todos (sociedade e entes públicos) a proteção e a defesa dos animais.
Esse projeto disciplina 5 crimes, quais sejam:
Matar cão ou gato (2 a 4 anos de reclusão);
Omissão de socorro de cão ou gato (1 a 2 anos de detenção);
Abandonar cão ou gato (1 a 3 anos de detenção);
Promover luta entre cães (1 a 3 anos de detenção);
Expor a perigo a vida, a saúde ou a integridade física de cão ou gato (2 a 4 anos de detenção).
No que concerne à omissão de socorro, seria punida criminalmente a conduta consistente na “omissão de socorro a cão ou gato em grave e iminente perigo ou, na impossibilidade, deixar de comunicar a autoridade pública.”
Seria, portanto, um crime omissivo próprio, considerando que haveria a consumação com a mera conduta omissiva (deixar de prestar socorro ou de comunicar a autoridade pública), independentemente da ocorrência de algum resultado naturalístico (morte ou debilidade permanente do animal, por exemplo).
Acredito que o principal debate sobre esse tipo penal será em torno da necessidade ou não de tutela por meio do Direito Penal. Evidentemente, seguindo a linha do direito de intervenção de Winfried Hassemer, surgirão críticas no sentido de que a tutela do bem jurídico, nessa hipótese, deveria ser feita por meio de outras medidas sancionatórias diversas da seara penal, como a aplicação de sanções de caráter administrativo.
Há de se ressaltar, por oportuno, que, caso o projeto de lei não sofra alteração, o tipo penal de omissão de socorro de cães e gatos permitiria o oferecimento de transação penal e suspensão condicional do processo.
Evinis TalonAdvogado Criminalista, Professor de cursos de pós-graduação e Mestre em Direito.
Advogado Criminalista, professor universitário, Mestre em Direito, Especialista em Direito Penal e Processual Penal, Constitucional, Filosofia e Sociologia. Pós-graduando em Processo Penal pela Universidade de Coimbra (Portugal). Pós-graduando em Direito Público pela PUC/MG. Ex-Defensor Público do Estado do Rio Grande do Sul (2012-2015). Membro da International Society of Public Law (ICONS), do Instituto Brasileiro de Ciências Criminais (IBCCRIM), da Association Internationale de Droit Pénal (AIDP), do Grupo Brasileiro da Associação Internacional de Direito Penal e da International Bar Association (IBA), integrando o Criminal Law Committee e o Public Law Committee, da Academia Brasileira de Direito Constitucional (ABDC) e da International Law Association (ILA).