Com foco ambiental, ações mudam rotina de estudantes em Lavras, MG

Universidade foi reconhecida como exemplo de sustentabilidade mundial.
Plano incentiva coleta seletiva, reaproveitamento e transporte 'limpo'.

Ufla foi reconhecida como umas das universidades mais sustentáveis do mundo (Foto: Samantha Silva / G1)Ufla foi reconhecida como umas das universidades mais sustentáveis do mundo (Foto: Samantha Silva / G1)









A ciclovia de 6 km acompanha a avenida de entrada da Universidade Federal de Lavras (Ufla-MG). Ela é o primeiro sinal de um projeto implantado há cerca de seis anos que rendeu o título de “exemplo de sustentabilidade” mundial à instituição. No campus, há coleta seletiva, reutilização de materiais químicos usados em pesquisas e até uma estação de tratamento de esgoto. Mas acima de qualquer sucesso local, a estratégia se tornou protótipo de um objetivo sonhado por muitos ambientalistas: pequenas ações que educam o comportamento da sociedade urbana para uma convivência “saudável” com o meio ambiente.

Repúblicas reúnem material reciclável para associação em Lavras (Foto: Samantha Silva / G1)Repúblicas reúnem material reciclável para
associação em Lavras (Foto: Samantha Silva / G1)
Lavras é um município de pouco mais de 90 mil habitantes que tem suas ruas movimentadas em grande parte pelos universitários da cidade. O bairro Jardim São Paulo, próximo à Ufla, é um dos que concentra uma soma considerável de repúblicas estudantis. E dali, toda semana, o caminhão da coleta seletiva reúne boa parte de seu estoque de materiais recicláveis.

“Só elas rendem uma média de 180 a 250 quilos de lixo reutilizável por semana”, explica Giovani Donizete Lucinda, presidente da Associação dos Catadores de Materiais Recicláveis de Lavras (Acamar). O veículo se aproxima da República Paióça. Na varanda, caixas e sacolas aglomeram todo o material reciclável reunido após refeições, festas e o dia a dia dos estudantes. “Estamos fazendo a nossa parte”, explica Pedro Henrique de Moraes, estudante de engenharia florestal.
Com 37 associados, a Acamar recolhe materiais reutilizáveis em cerca de 68% da cidade. O presidente calcula um volume de 120 toneladas por mês de material que deixa de poluir o meio ambiente e segue para uso novamente na sociedade. A partir do contrato de prestação de serviços com a prefeitura, a associação tem a sua sede na Universidade Federal de Lavras.

Só o volume de lixo que sai da universidade mais as repúblicas que concentram muitos estudantes da Ufla somam mais de uma tonelada por semana para a Acamar. “É um volume grande. Inclusive tem muito vidro, que dá mais peso. As casas geralmente geram mais papelão e plástico, que é material mais leve”, completa Lucinda, se referindo aos resíduos gerados pelos universitários.
Repúblicas rendem quase 250 quilos de material reciclável por semana em Lavras (Foto: Samantha Silva / G1)Repúblicas rendem quase 250 kg de material reciclável por semana em Lavras (Foto: Samantha Silva / G1)


Para onde vai tudo isso?
Tudo começou no Departamento de Química da Ufla. Atualmente diretora de meio ambiente da universidade, Zuy Magriotis conta que havia acabado de entrar na Ufla quando o reitor à época solicitou os frascos de vidro do departamento para um evento. “E aí, ao pegar aquele monte de vidros, a gente começou a se questionar: mas se tinha o material, pra onde ele foi?”, conta.

As professoras no departamento então começaram a elaborar um relatório de quanto era produzido em produtos químicos, para onde ele ia e o quanto se gastava com essa produção. E com o relatório, houve a consciência. “Dependendo do destilador que tinha no laboratório, eram 50 litros de água indo embora”, conclui Zuy. A partir disso, um plano ambientalmente correto começou a ser pensado para a universidade.
José Roberto Scolforo, reitor da Ufla, que esteve à frente do plano ambiental em Lavras (Foto: Samantha Silva / G1)José Roberto Scolforo, reitor da Ufla, que esteve à frente do plano ambiental (Foto: Samantha Silva / G1)


De dentro pra fora
Atual reitor da Ufla, José Roberto Scolforo se posiciona à frente de uma série de quadros que mostra matas nativas de Minas Gerais e de todo o país, fruto de um mapeamento elaborado pela universidade. Idealizador do projeto que colocou a Ufla entre os exemplos de sustentabilidade no mundo, ele conta que em meados de 2008 uma inquietação fez com que a pró-reitoria começasse a desenvolver o plano ambiental no campus.

“A gente tinha que fazer um plano decente pra Ufla, porque me incomodava muito a gente ensinar para os nossos alunos como proceder, mas aqui dentro a gente fazia tudo errado. E isso acontece muito: você ensina, mas não pratica o que você ensina”, explica Scolforo.
Em 2014, a Ufla conseguiu a 26ª posição no GreenMetric Ranking of World Universities, que considerou os esforços em sustentabilidade e gestão ambiental nos câmpus de 360 instituições em 62 países.

Desde então, toda a estrutura do campus passou a ser adaptada para gerar o menor impacto possível ao meio ambiente. As 145 fossas de cinco a sete metros de profundidade onde era jogado o esgoto foram substituídas para uma rede de tratamento dos resíduos. A área de nascentes e matas ciliares passou por uma revegetação, com plantio de 90 mil mudas, para conseguir o suprimento de água da universidade.
Foram criadas as ciclovias e pontos de carona para que os estudantes usem cada vez menos veículos dentro do campus. Foram instalados ecobicicletários, com placas solares capazes de acumular energia suficiente para abastecer 16 residências. Os copos plásticos foram substituídos por canecas, que os alunos usam para tomar água e suco no refeitório.
Estudante lava caneca no refeitório (acima, à esq.); Estação de Tratamento de Esgoto (acima, à dir.); Ecobicicletário, que tem placas solares na estrutura (abaixo) (Foto: Samantha Silva / G1)Estudante lava caneca no refeitório (acima, à esq.); Estação de Tratamento de Esgoto (acima, à dir.); Ecobicicletário, que tem placas solares na estrutura (abaixo) (Foto: Samantha Silva / G1)
A universidade instalou até uma Estação de Tratamento de Esgoto (ETE), que além de funcionar como laboratório para os próprios estudantes, faz todo o tratamento de esgoto do campus e devolve água tratada para irrigação dos jardins e descarga sanitária dos prédios novos. O plano inclui ainda captação de água da chuva, mudança nos bueiros para canalizar água para o solo, coleta seletiva em todo o campus e gestão de resíduos para que materiais químicos sejam tratados e reutilizados nos laboratórios, além de outras ações.
Estudante em ciclovia na Universidade Federal de Lavras (Foto: Samantha Silva / G1)


O reitor calcula que o investimento total foi de cerca de R$ 30 milhões, mas com a adaptação do campus, a universidade economiza pelo menos R$ 7 milhões por ano. “Não é difícil e não é barato, mas também não é absurdamente caro, e ele vale muito a pena. Se você pegar o valor gasto em tudo, numa área de 500 hectares como a da universidade (equivalente a cerca de 600 campos de futebol), em quatro anos você já recuperou o investimento”, completa Scolforo.

Agora a universidade disponibiliza o projeto para outras instituições ou municípios que queiram usar desses recursos para diminuir o impacto ambiental. “O que fizemos aqui é de domínio público. Qualquer cidade, instituição, que queira replicar, a gente passa gratuitamente tudo, os projetos e dá assessoria. A Estação de Tratamento de Esgoto, por exemplo. Ela serve para qualquer pequeno município que queira implantar um sistema de rede de esgoto muito mais em conta e efetivo. A prefeitura pode ganhar dinheiro e a população pode pagar muito mais barato pela conta”, explica o reitor.
Com pontos de carona, estudantes usam menos veículos nas cidades (Foto: Samantha Silva / G1)Com pontos de carona, estudantes usam menos veículos nas cidades (Foto: Samantha Silva / G1)
Profissionalização sustentável
Mas além de uma estrutura ecologicamente correta, o maior benefício do projeto tem sido uma mudança de comportamento dos alunos. “É uma mudança de 180°. O aluno sai de uma pessoa que não tinha consciência nenhuma de respeito ao ambiente, era um predador, e passa a ser uma pessoa defensora de ações técnicas e científicas absolutamente corretas e sensatas de uso do ambiente”, continua Scolforo.
Ambiente não é poesia. Ambiente é o local onde nós estamos inseridos e se ele não for tratado de uma forma sensata e cuidadosa, pode ao longo dos séculos, inviabilizar o planeta.
José Roberto Scolforo, reitor da Ufla


Esse raciocínio pode ser observado no próprio Departamento de Química da Ufla, onde tudo começou. Todo o material químico que antes era jogado fora na rede de esgoto, hoje é tratado e volta a ser usado no próprio laboratório. “Só de acetona, solvente e metais pesados, no ano passado foi R$ 14 mil de economia. Somando tudo, economizamos em torno de R$ 37 mil em material por ano”, calcula a diretora do departamento.

E reutilizando na universidade, os alunos aprendem a aplicar em seus próprios laboratórios quando saírem dali ou na sociedade em si. “A coleta seletiva, por exemplo. O menino que está aqui, quando ele chega na república dele, ele pensa em fazer o mesmo em casa. É [uma mudança] a longo prazo”, completa Zuy.
Alunos aprendem em reutilizar materiais em pesquisas nos laboratórios da Ufla (Foto: Samantha Silva / G1)Alunos aprendem em reutilizar materiais em pesquisas nos laboratórios da Ufla (Foto: Samantha Silva / G1)
O mesmo pode ser observado em um dos laboratórios do curso de engenharia ambiental, onde um grupo de alunos trabalha fazendo o tratamento da água. Para o coordenador do curso, o professor Ronaldo Fia, a tendência é que quanto mais os profissionais saírem com a consciência de que se pode reutilizar ao invés de jogar fora no ambiente, o mercado tende a mudar junto.
Alunos no setor de engenharia ambiental da Ufla (Foto: Samantha Silva / G1)


“Como você vai dizer para um estudante não jogar um produto químico no meio ambiente, mas a instituição faz isso? A vida profissional é consequência disso. As empresas estão deixando de fazer apenas o que é exigido por lei. Por exemplo, não se pede para reutilizar água de chuva. Mas as empresas estão vendo que fazendo isso, eu produzo menos resíduo líquido, eu gasto menos com isso, eu poluo menos e melhoro até a imagem [da empresa]. E os alunos já saem com essa visão para usar na vida profissional”, explica.

Fia completa afirmando que, mais do que consciência ambiental de algumas pessoas, é importante que as instituições deem o exemplo. “A primeira legislação que diz que nenhuma indústria ou cidade não pode jogar esgoto no rio é de 1986, e a maioria das cidades ainda joga. Ou trata de forma ineficiente. Um número maior de profissionais no mercado tende a mudar o comportamento, mas ainda é preciso uma mudança de consciência de quem detém o poder, seja público ou privado”, completa.
Em casa se faz o que se aprende
Na República Paióça, os cinco universitários tomam café na mesa e elencam as ações que promoveram quando passaram a se preocupar em fazer o ambientalmente correto. “A gente faz parte do conselho [de alunos]. Na festa tradicional dos 100 dias, por exemplo, a gente juntou três sacos com toneladas de lixo, pra limpar o local e conscientizar [da coleta seletiva]. Nós estamos fazendo a nossa parte”, completa Moraes. “Quando eu vejo pessoas jogando lixo no chão, eu reclamo: não faz isso. Ou eu mesmo pego e jogo no lixo. E hoje eles já estão fazendo isso.”

(veja vídeo acima com depoimentos de alguns alunos da Ufla sobre educação ambiental)
Estudantes no jardim do campus da Ufla em Lavras, MG (Foto: Samantha Silva / G1)Estudantes no jardim do campus da Ufla em Lavras
(Foto: Samantha Silva / G1)


Os estudantes acreditam que as pessoas até têm informações sobre os prejuízos ao meio ambiente, mas não entendem muito bem o que isso de fato pode trazer de consequências. “O incentivo tem que partir de autoridades mesmo, de prefeituras, estado, na educação. É preciso mais rigor nisso”, afirma o estudante de agronomia, Gustavo Soares Tibúrcio.

E acima de tudo, para os jovens, não adianta fazer se o meio não te permite continuar o trabalho. “E não é só uma questão de conscientizar, é de disponibilizar as coisas. Não adianta só falar: você tem que separar o lixo, mas não tem uma coleta seletiva”, afirma a estudante de administração Fernanda Cardoso Carneta. Moraes completa. “As pessoas até tem noção do impacto, mas quando você vê acontecendo, na prática, você tem mais noção e leva mais a sério.”

Fonte G1