O simbolismo na poesia mineira: Henriqueta Lisboa



Dona de uma invejável sensibilidade poética, Henriqueta Lisboa protagonizou uma das páginas indeléveis nas letras sul-mineiras. Nascida em Lambari, em 15 de julho de 1901, era filha de João de Almeida Lisboa e de Maria de Vilhena Lisboa. Estudou no curso normal do Colégio Nossa Senhora de Sion, de Campanha, que sucedera à Escola Normal daquela cidade. As então conhecidas “meninas de Sion” pertenciam às principais famílias da região sul mineira e faziam parte de um novo ideário que estava sendo implantado na cidade, destacando-se entre elas a nossa Henriqueta Lisboa.
         Após concluir o curso normal, a família mudou-se para a cidade do Rio de Janeiro em 1924, já levando na bagagem cultural a primeira obra, intitulada Fogo Fátuo, publicada quando tinha apenas 21 anos de idade.
         A mudança para a capital federal abriu definitivamente as portas do sucesso para essa mulher que honrou sobremodo a poesia brasileira. Logo em 1929 publicaria Enternecimento, obra de acentuado caráter simbolista, que lhe rendeu o Prêmio Olavo Bilac de Poesia da Academia Brasileira de Letras, um feito considerável para aquele momento.
         Seus biógrafos, e aí se inclui Martins de Oliveira, da Academia Mineira de Letras, diziam que Henriqueta pertenceu à mesma estirpe de Cecília Meireles, da uruguaia Juana de Ibarborou, da argentina Alfonsina Storni e da chilena Gabriela Mistral.

Noturno
Meu pensamento em febre
é uma lâmpada acesa
a incendiar a noite.

 Meus desejos irrequietos,
à hora em que não há socorro,

dançam livres como libélulas
em redor do fogo.
                                     (Prisioneira da Noite, 1941)

         Aderiu ao movimento modernista por volta do ano de 1945, influenciada pela amizade com Mário de Andrade, com quem trocou vasta correspondência entre os anos de 1940 e 1945. Escritora de intensa sensibilidade, ela se devotou de corpo e alma à criação de seus poemas e neles, ainda de acordo com a palavra de seus biógrafos, a substância lírica, depurada ao extremo de síntese, como se fossem um prisma, atinge 
por assim dizer os planos a priori da poesia, ou melhor, as raízes do pensamento lírico, destituído, quase totalmente, de ingredientes materiais, tal a diafaneidade de suas concepções artísticas. Sua produção inclui, além da poesia, inúmeras traduções, ensaios e antologias. Aliás, manteve-se sempre atuante no diálogo com os escritores e intelectuais de sua geração e angariou admiradores ilustres, dentre eles Carlos Drummond de Andrade, Manuel Bandeira, Cecília Meireles e a própria Gabriela Mistral, cujos poemas ela traduziu para a Língua Portuguesa. Também consta de seu vasto currículo a tradução dos Cantos, de Dante Alighieri.
         Paralelamente à vocação literária, atuou também no campo do magistério, como professora de Literatura Hispano-Americana e Literatura Brasileira na Pontifícia Universidade Católica de Minas e na Universidade Federal de Minas Gerais.   
            Foi a primeira mulher eleita para a Academia Mineira de Letras em 1963, para a cadeira nº 26, cujo patrono é Evaristo da Veiga. Em 1984 Henriqueta foi novamente homenageada pela Academia Brasileira de Letras, dessa vez com o Prêmio Machado de Assis pelo conjunto de sua obra.
         Foi membro do Instituto Histórico e Geográfico de Minas Gerais.

Lenda das pedras verdes

– Sete anos há que deixei
minha terra e meu sossego
em troca de uma esperança
que é meu respiro e bordão.
Da Serra da Mantiqueira
até o Rio Uaimi,
quantos montes, quantos vales
para descer e subir,
que de sombras e emboscadas
antes do raiar do dia!

– Vós que velais o seu sono,
desembaraçai as armas!
Ah! esse canto escondido,
essa beleza roubada,
esses cabelos que brilham
com viva luz de esmeraldas!
Ser guerreiro, ser valente,
depois dormir para sempre
nos verdes braços da Uiara!

– Fernão Dias, Fernão Dias!
deixa a Uiara dormir!
(Madrinha Lua - 1952)

         Além da extensa produção intelectual, composta de traduções, organização de antologias de poesias, também colaborou com várias revistas editadas no Rio de Janeiro e em Minas Gerais, entre as quais O Malho, Revista da Semana, A Manhã, O Jornal. Nas revistas Kosmos e Festa escrevia ao lado de Gilka Machado e Cecília Meireles. Suas obras foram versadas para várias línguas, como o francês, inglês, italiano, espanhol, alemão e latim.
         Henriqueta faleceu em Belo Horizonte no dia 9 de outubro de 1985.

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* Membro do Instituto Histórico e Geográfico de Minas Gerais