OMS não descarta que os casos da doença aumentem nos próximos dias e pede aos países que adotem medidas para conter o "surto incomum" do vírus, como o isolamento de infectados
As centenas de casos de varíola do macaco registrados fora do continente africano — onde a doença é endêmica — podem ser "a ponta do iceberg", advertiu, ontem, a Organização Mundial da Saúde (OMS). Apesar de levantar a suspeita, a agência das Nações Unidas avalia que não há motivos para as pessoas entrarem em "pânico".
"Não sabemos se estamos vendo apenas a ponta do iceberg. Ainda estamos no início desse evento (...) Sabemos que teremos mais casos nos próximos dias (...), mas não há necessidade de pânico", disse Sylvie Briand, chefe de Preparação e Prevenção de Epidemias e Pandemias do órgão, a representantes dos Estados-membros presentes na Assembleia Mundial da Saúde em Genebra.
Há cerca de 200 casos de infecção e 100 suspeitas em mais de 20 países, incluindo integrantes da União Europeia, Estados Unidos, Austrália e Emirados Árabes Unidos. Ontem, foi confirmado o primeiro registro da doença na América Latina: autoridades da Argentina confirmaram que um homem de 40 anos que voltou da Espanha está infectado (leia em Confirmação na Argentina).
Segundo Briand, as investigações preliminares não indicam que o vírus tenha sofrido algumas mutações, o que pode facilitar o controle da disseminação "incomum" do patógeno. "Temos uma boa oportunidade para deter a transmissão agora. Se implementarmos as medidas adequadas, provavelmente, vamos conseguir conter isso facilmente", afirmou.
A especialista descartou a possibilidade de surgimento de uma crise sanitária com proporções parecidas com a causada pelo novo coronavírus. "Essa não é uma doença com a qual o público em geral deva se preocupar. Não é a covid-19 ou outras doenças que se espalham rapidamente", garantiu.
Frentes de ação
A estratégia indicada pela OMS é baseada em duas frentes de atuação: adotar medidas rápidas para conter a propagação do vírus e compartilhar dados sobre os estoques de vacinas para a varíola comum. No primeiro caso, o protocolo é parecido com o indicado na atual pandemia.
"A investigação de casos, o rastreamento de contatos e o isolamento em casa serão suas melhores apostas", indicou Rosamund Lewis, chefe do Secretariado de Varíola da agência, que faz parte do Programa de Emergências da OMS.
Com relação às vacinas, Briand alertou que a agência não sabe a quantidade exata de doses disponíveis no mundo, mas avalia que os suprimentos globais são "muito limitados". "É por isso que incentivamos os países a procurarem a OMS e nos dizerem quais são seus estoques", ressaltou.
Não há uma fórmula específica contra a varíola do macaco, mas está comprovado que os imunizantes desenvolvidos para a varíola comum são eficazes em 85% para prevenir a versão atípica. No momento, a OMS desaconselha a vacinação em massa. A indicação é de que haja uma imunização direcionada, quando disponível, para contatos próximos de pessoas infectadas.
Estigmatização
A varíola do macaco pertence à mesma família da varíola que matou milhões de pessoas por ano antes de ser erradicada, em 1980. Essa versão menos incidente não é tão grave — tem uma taxa de mortalidade entre 3% e 6%. A maioria dos infectados se recupera em três ou quatro semanas sem a necessidade de um tratamento.
Os primeiros sintomas incluem febre, dor de cabeça e dores musculares nas costas. Depois, surgem erupções cutâneas, lesões, pústulas e, finalmente, cascas de feridas. A transmissão mais comum se dá de animal para humanos — pelo contato com o bicho doente, por meio de mordidas, secreções ou ingestão de carne contaminada.
A transmissão de humano para humano ocorre principalmente através da saliva e do pus das lesões cutâneas surgidas durante a infecção. Especialistas têm ressaltado que, embora o vírus possa ser contraído durante o ato sexual, não se trata de uma doença sexualmente transmissível.
Há um esforço para evitar uma estigmatização em torno da doença. Isso porque os primeiros casos do surto atual, no Reino Unido, foram registrados principalmente entre homossexuais ou bissexuais. "Estigma e culpabilização minam a confiança e a capacidade de prover uma resposta efetiva a surtos como este", alertou, essa semana, Matthew Kavanagh, diretor executivo adjunto do Unaids, o Programa Conjunto das Nações Unidas sobre HIV/Aids.
Confirmação na Argentina
Um homem de 40 anos que veio recentemente da Espanha para a Argentina é o primeiro caso de varíola do macaco na América Latina. Em nota, o Ministério da Saúde argentino informou que o exame de diagnóstico e sequenciamento "mostrou uma alta porcentagem de homologia com sequências do clado (agrupamento" da África Ocidental", o que reforça a tese de não ocorrência de mutações.
O homem, ainda de acordo com o texto, está "em boas condições, em tratamento sintomático", enquanto seus contatos próximos estão sob controle clínico e epidemiológico e sem apresentar sintomas. O país vizinho também monitora o surgimento de outro caso suspeito de um residente na Espanha que está visitando a província de Buenos Aires. Segundo autoridades, não há ligação com o paciente anterior.
O primeiro caso do atual "surto atípico" da doença, na avaliação da OMS, ocorreu no Reino Unido, no último dia 7. Desde então, a agência trabalha com cerca de 300 notificações, entre infecções confirmadas e suspeitas. A varíola do macaco é endêmica em 11 países do leste e do centro da África. A doença foi identificada pela primeira vez em humanos em 1970, na República Democrática do Congo, em um menino de 9 anos.
Fonte: Correio Braziliense