Em tempos de pandemia, governador conseguiu aprovar reforma da Previdência, mas teve atritos com Assembleia e Kalil; Bolsonaro se aproximou.
O governador de Minas Gerais, Romeu Zema (Novo), terminou 2020 como começou: defendendo a venda de empresas públicas para amenizar a crise financeira que assola o estado. Nessa quarta-feira (30/12), ao anunciar a data para a segunda parcela do 13° salário para o funcionalismo público, defendeu a privatização da Companhia de Desenvolvimento de Minas Gerais (Codemig).
O Palácio Tiradentes inicia o novo ano com dois grandes objetivos: a curto prazo, a prioridade é conter a pandemia do novo coronavírus. Além disso, a equipe econômica concentra forças na busca por soluções para os problemas de caixa.
A Reforma da Previdência, aprovada em setembro pela Assembleia Legislativa, é uma das apostas para amenizar as dificuldades. A sanção do texto que trata do pagamento parcelado de perdas tidas por Minas em virtude da Lei Kandir também deve dar fôlego. O orçamento anual prevê rombo de R$ 16,2 bilhões nas contas.
O último dia de 2020 aponta 542.909 casos e 11.902 mortes em virtude da COVID-19 no estado. Nove das 14 regiões mineiras começam 2021 na onda vermelha — a mais restritiva — do programa Minas Consciente, que determina os rumos de diversas cidades no combate à doença. Quatro dias atrás, Zema assinou decreto que prorroga, até junho de 2021, o estado de calamidade pública adotado por conta da pandemia.
Zema está alinhado ao presidente Jair Bolsonaro (sem partido) quanto à vacina contra o coronavírus. Ele esteve em Brasília para o lançamento do plano federal de imunização. Enquanto governadores e prefeitos costuram acordos locais em busca de doses do composto, o governador é defensor de uma estratégia nacional unificada.
Reiteradamente, integrantes do Executivo estadual têm ido a público garantir a estrutura necessária para a aplicação das injeções. A saúde estadual comprou 50 milhões de seringas e mais de 600 câmaras refrigeradas para viabilizar o processo.
“Nossa logística já está planejada e pronta para ser iniciada. Os 853 municípios mineiros receberão o imunizante assim que a vacina chegar ao estado”, disse Zema, na solenidade de extensão da calamidade pública — que precisa de ratificação do Parlamento mineiro.
Ante a pandemia, Zema foi o único governador do Sudeste a não entrar em rota de colisão com Bolsonaro. Wilson Witzel (PSC-RJ, afastado), João Doria (PSDB-SP) e Renato Casagrande (PSB-ES) teceram diversas críticas públicas ao presidente.
O mineiro, por outro lado, até chegou a demonstrar insatisfação em alguns momentos, mas em outras ocasiões optou por afagos. Zema e Bolsonaro têm aparecido juntos em diversas visitas do chefe do Executivo nacional ao estado. Recentemente, marcaram presença na solenidade que autorizou o asfaltamento de trecho da BR-367, no Vale do Jequitinhonha.
Se por um lado há conversas com Bolsonaro, a situação é diferente quanto ao prefeito de Belo Horizonte, Alexandre Kalil (PSD), reeleito em primeiro turno nas eleições de 2020. Zema e Kalil colecionaram conversas atravessadas e desentendimentos, quanto à gestão geral e, principalmente, pela atuação durante a pandemia. Desde então, a relação entre as duas fortes figuras da política mineira é, no máximo, republicana.
Salários, privatizações e previdência
O funcionalismo chega a 2021 ainda com os vencimentos pagos parceladamente, mas os salários referentes a dezembro já têm o escalonamento de pagamento estruturado. Para sanar a crise fiscal, uma das apostas é a venda de estatais. A defesa pública, por parte de Zema e do secretário de Planejamento e Gestão, Otto Levy Reis, da venda da Codemig, por exemplo, representa uma mudança de estratégia.
Em 2019, os deputados estaduais aprovaram a operação para a venda antecipada de 49% de recebíveis da empresa, responsável pela parte estatal da mina de nióbio localizada em Araxá, no Triângulo Mineiro. A transação, contudo, acabou não se concretizando. Agora, a ideia é vender toda a participação mineira na companhia.
“Precisamos de receitas extras para colocar as contas em dia, como o 13° e salários, e retomar os investimentos. Como a Lei Kandir, pauta histórica do nosso estado, temos outras opções de recursos extras, como a autorização legislativa para venda de 100% da Codemig”, sustentou Zema, ao anunciar as datas de pagamento do benefício.
No início de dezembro, o Congresso Nacional aprovou a compensação, parcelada, das perdas oriundas da Lei Kandir. Estabelecida em 1996, a legislação definiu que os estados não recolheriam o Imposto sobre Circulação de Mercadorias e Serviços (ICMS) sobre as exportações.
Caberia à União compensar financeiramente os entes federativos pela renúncia fiscal, o que não ocorreu, gerando diversas batalhas judiciais. Ao todo, Minas Gerais tem direito a R$ 8,7 bilhões, em quitação que vai se estender até 2037. As primeiras cifras foram repassadas nos instantes finais de 2020.
Algumas fichas também estão depositadas na reforma da Previdência estadual. Cálculos apontam que as mudanças questões como idade mínima para aposentadoria, tempo de contribuição e alíquotas devem gerar mais de R$ 1,1 bilhão de economia em 2021. Em dez anos, o valor pode atingir R$ 20,6 bilhões.
Trabalho para minar desgaste com Assembleia
Embora não tenha sido duramente criticado de forma direta, Romeu Zema precisará contornar o desgaste na relação do governo com a Assembleia. O secretário Otto Levy é o principal ponto de conflito. Ele chegou a ser chamado de “mentiroso” por Bartô, que também é do partido Novo.
O presidente do Legislativo, Agostinho Patrus (PV), chamou o chefe da pasta de Planejamento de “fake news”. No centro da polêmica, justamente, as divergências em torno dos rumos da Codemig. Em 2019, quando a antecipação dos recebíveis foi aprovada, o secretário assegurou que seria possível vendê-los na Bolsa de Valores pouco tempo após o aval dos deputados.
Uma das apostas para melhorar o diálogo com a Assembleia é o líder de governo Raul Belém (PSC). Ele assumiu o posto em julho, em meio às discussões sobre a reforma da Previdência, e participou ativamente dos debates que aprimoraram o texto original. A liderança estava vaga desde março, quando Luiz Humberto Carneiro (PSDB) deixou o posto.
A saída ocorreu em meio às polêmicas por conta do projeto de reajuste do salário das forças de segurança. O então secretário de governo, Bilac Pinto, pediu demissão. A crise culminou nas chegadas de Igor Eto e Mateus Simões ao secretariado, ainda no terceiro mês do ano. Eles reforçaram a interlocução junto ao Legislativo.
Fonte: Estado de Minas