Ao pedir vacinas à Fiocruz, STF escancara a bruta falta de respeito pelo povo

 Instituição negou o pedido alegando que ‘não cabe à Fundação atender a qualquer demanda específica por vacinas’; uma solicitação como essa revela a desfaçatez da Suprema Corte do Brasil.


 Costuma-se dizer que todos são iguais perante à lei. E não pode ser diferente. Diante da lei, todos são iguais. Há situações, claro, que algumas categorias passam a gozar de prioridade em possíveis benefícios diante de quadros adversos.

 

Como agora, em que o mundo enfrenta uma pandemia pavorosa e ainda não sabe ao certo como lidar com um mal invisível, a Covid-19 que, somente no Brasil, matou mais de 185 mil pessoas. É assustador. E é nesse quadro que surgem, ou podem surgir, os trabalhadores prioritários no atendimento e no combate à doença.

 

E nesse clima de sombras, o Supremo Tribunal Federal (STF) pediu a reserva de sete mil vacinas contra o vírus para imunizar os ministros e servidores do STF, estendendo a medida ao Conselho Nacional de Justiça – CNJ. E por qual motivo, se esses servidores não estão incluídos no plano nacional de imunização do Ministério da Saúde? Não faz sentido. É verdade, todos são iguais perante a lei, mas há alguns que são mais iguais que os outros.

 

Não faz sentido. Por que o STF não se lembrou – só para citar um exemplo – dos profissionais da Saúde que estão de frente com o inimigo todos os dias, num enfrentamento que muitas vezes não tem volta? O ofício do STF foi enviado no dia 30 de novembro. A instituição, no entanto, rejeitou os pedidos alegando que os imunizantes serão distribuídos pelo Sistema Único de Saúde (SUS). “Não cabe à Fiocruz atender a qualquer demanda específica por vacinas”, disse a entidade. Não tem cabimento.

 

De acordo com o diretor-geral do STF, Edmundo Veras dos Santos, que assinou o ofício contendo o pedido, os servidores do Tribunal e do CNJ desempenham um papel fundamental no país, além de muitos fazerem parte do grupo de risco. É mesmo? Grupos de risco existem em toda parte deste país desigual e injusto.

 

O secretário-geral do STF afirma que a vacinação dos ministros e dos servidores seria “uma forma de contribuir com o país neste momento tão crítico da nossa história, pois ajudará a acelerar o processo de imunização da população e permitirá a destinação de equipamentos públicos de saúde para outras pessoas”, de acordo com o ofício a que a Jovem Pan teve acesso. “Outras pessoas?” Sim,”outras pessoas”. Quem seriam essas “outras pessoas?”. O resto?

 

O plano de imunização do governo prevê, sim, os grupos prioritários para a vacinação contra o vírus, como os trabalhadores na área da Saúde, pessoas com 75 anos ou mais, pessoas com mais de 60 anos que vivem em asilos, a população indígena e comunidades ribeirinhas. A seguir, as pessoas de 60 a 74 anos. Depois, doentes com do diabetes, hipertensão, obesidade, tuberculose e outros males. Só a seguir serão atendidos aqueles que estão fora dos grupos de risco.

 

Pelo que consta, nessa relação de prioridades do Ministério da Saúde não constam os ministros e servidores do STF nem o CNJ. Não constam e não poderiam constar. O plano do governo determinou bem a vacinação, priorizando aqueles que de fato correm risco, que não é o caso dos ministros e servidores do STF e do CNJ, que trabalham confortavelmente em seus gabinetes com ar refrigerado, muito longe da realidade brasileira.

 

O STF nega que tenha querido se antecipar ao restante da população, ou ao resto. Só tem que negar, diante de tal descalabro. Afinal, eles são deuses?

 

A Fiocruz participa do desenvolvimento da vacina pelo laboratório AstraZeneca e a Universidade de Oxford. Talvez a palavra desfaçatez não explica bem essa iniciativa do STF. Na verdade. A desfaçatez causa indignação. O STF parece ser o verdadeiro governo deste país, ditando as regras para quase tudo. Certamente os ministros e servidores do STF e do CNJ devem pensar que pertencem a uma outra casta.

 

Esse pedido de antecipar a vacinação aos seus ministros e servidores dá bem a ideia de como os integrantes do Tribunal se vêm na realidade sofrida e pobre deste país. Estão acima de qualquer suspeita. Esse pedido, no fundo, representa uma bruta falta de respeito aos brasileiros, aqueles que ralam dia e noite por um prato de comida e têm em geral um atendimento público de saúde péssimo. Os ministros do STF e membros do CNJ podem ser o que bem entendem, mas não são os donos do Brasil. Esse pedido feito à Fiocruz beira ao cinismo.


Fonte: Jovem Pan