A ivermectina é a bola da vez na procura desesperada por um medicamento que combata o novo coronavírus no Brasil. O "milagre" está em todas as redes sociais e já ganhou anúncios de drogarias e redes farmacêuticas, oferecendo até descontos. Nos grupos de WhatsApp circulam mensagens de recomendação ao uso do remédio, com o aval, inclusive, de médicos de várias especialidades. Entretanto, ainda não há comprovação científica de resultados positivos na luta pelo controle da pandemia.
"Um delírio", classifica o infectologista e sanitarista Marcelo Araújo Campos, professor do Instituto Federal de Minas Gerais (IFMG), em Ouro Preto. "Não tem indicação de utilidade, nada que justifique que o médico deva prescrever e, mais ainda, a população usar como forma preventiva. É desespero, falta de orientação e de seriedade de quem deveria ser referência. Por parte da população em geral é compreensível. Por parte de quem deveria ser referência de lucidez e ciência, é mau sinal."
O receituário da ivermectina ganhou espaço após a divulgação de um estudo, desenvolvido em laboratório, "in vitro", que mostrou capacidade de efeito antiviral contra a COVID-19, diminuindo a multiplicação do vírus. Porém sem qualquer teste em animais ou humanos, explica a farmacêutica Aline Mourão, coordenadora do Grupo Técnico de Farmácia Clínica, do Conselho Regional de Farmácia de Minas Gerais (CRF-MG).
"Experiências 'in vitro' não comprovam efeito preventivo ou de tratamento em humanos. A posição do CRF é de não recomendar a prescrição, já que não há comprovação científica do benefício e ainda pode colocar a saúde em risco", ressalta Aline Mourão.
A ivermectina é um antiparasitário antigo no mercado, usado sob prescrição no tratamento de pediculose, escabiose, ascaridíase, filariose, estrongiloidíase intestinal e oncocercose. Geralmente é prescrito para esses casos em dose única, e em alguns casos repetida uma ou duas semanas depois. Ainda não há estudos sobre os efeitos de seu uso contínuo.
"É um medicamento que não fixa no organismo. Depois da dose única ou de repeti-la, ele é eliminado pelas fezes em três dias. Então, essa dose que vem sendo recomendada é para casos de parasitas e vermes, não para um tratamento prolongado. Para efeito preventivo, deveria ser de uso contínuo. Não há qualquer literatura científica que descreva qual a dose máxima suportada pelo organismo humano", ressalta Aline Mourão.
Hoje, às 19h, ela vai falar sobre o tema em uma live em seu canal no YouTube (Doutora Aline Mourão), apresentando artigos científicos para explicar sobre uso de medicamentos contra o coronavírus.
Cobranças ao Ministério da Saúde
Aline acredita que a desinformação é problema grave e cobra das autoridades ministeriais uma responsabilidade na divulgação de estudos ainda sem comprovação.
Marcelo Campos também cobra articulação que "deveria partir do Ministério da Saúde, reunindo movimentos sociais, instituições de pesquisa, com olhar multidisciplinar: sociologia, antropologia, demografia/estatística, saúde, farmácia, direito. E foco em ciência com controle social. Parar de falar em grupo de risco e avaliar vulnerabilidades nos seus determinantes sociais, biológicos, psicológicos. A forma como as pandemias atingem as populações é desigual, caracteriza expressão de violências estruturais."
Segundo o CRF-MG, a prescrição de medicamentos para indicações não aprovadas pela Anvisa não é proibida, mas deve levar em conta "as evidências científicas disponíveis e os potenciais riscos e benefícios aos pacientes."
Reações adversas potenciais da ivermectina
Cardiovasculares: Hipotensão ortostática
Dermatológicas: Erupções cutâneas, urticária, prurido. Há relatos de reações como Síndrome de Stevens-Johnson e Necrólise Epidérmica Tóxica
Gastrintestinais: Náusea, vômito, diarreia, dor abdominal, constipação
Hepáticas: Hepatite, elevação de enzimas hepáticas
Neurológicas: Convulsões, tontura, confusão, sonolência
Oftálmicas: Visão borrada, conjuntivite, hemorragia
Fonte: Estado de Minas