Coronavírus: Isolamento de idosos e doentes para que jovens trabalhem não é viável

Avaliação do diretor da Sociedade Mineira de Infectologia, Carlos Starling é de que muitas pessoas entre 40 e 60 anos morrerão se a quarentena não for respeitada




Idosos e doentes devem ser segregados em casa para que pessoas mais novas voltem aos seus trabalhos e preservem a economia de um colapso? Em tempos de confinamento forçado e apreensão sobre a sobrevivência durante e após a pandemia provocada pelo novo coronavírus (Sars-Cov-2) essa dúvida tem pairado no Brasil, inclusive após as declarações do presidente Jair Bolsonaro recomendando um isolamento vertical, mas especialista responsável pelos estudos de progressão da Covid-19 em Minas é taxativo: “O isolamento social deve ser mantido, com retorno paulatino das funções que mantêm a economia e sustentam esse estado de quarentena, pois o Brasil ainda não chegou ao pico da infecção. A doença não mata apenas idosos. Isso é um erro”.
Essa é a avaliação do diretor da Sociedade Mineira de Infectologia, Carlos Ernesto Ferreira Starling, coordenador dos serviços de controle de infecções Hospitalares dos Hospitais Vera Cruz, Baleia, Life Center, Vera Cruz, Maria Amélia Lins e Hospital de Olhos Rui Marinho, em Belo Horizonte. Em sua primeira projeção, sem qualquer cuidado a Grande BH poderá registrar até 8 mil internações pela doença respiratória, um número que baixaria para 1.500 caso medidas como o isolamento social consigam erradicar 50% da transmissão.

Para o especialista não é uma realidade se isolar idosos e pessoas que têm condições imunológicas mais vulneráveis para que os jovens e adultos voltem a trabalhar. “Isso não tem como. É um erro de raciocínio, pois a doença não é apenas uma doença que atinge idosos. A Covid-19 acomete todas as faixas etárias. Mesmo que boa parte das pessoas não desenvolva fases mais comprometedoras da doença, ela mata entre 0,4% ou 0,3% de pacientes jovens.

Um outro erro ao se expor quem está abaixo dos 60 anos é que boa parte das pessoas não sabe que é hipertensa e diabética, condições que agravam a infecção pelo novo coronavírus. “Muitas pessoass vão sair para as ruas sem saber que são diabéticas ou hipertensas. Isso corresponde a 30% ou a 40% da população. Então, nós temos muita gente entre 40 anos e 60 anos que iria morrer”, salienta Starling.

O infectologista volta a frisar que as medidas de isolamento são as mais efetivas para este momento. “A medida a ser adotada, hoje, é isolamento. O pico da epidemia ainda nem começou. Temos que ir monitorando a evolução da epidemia para tomar uma decisão técnica acertada sobre o momento ideal de se relaxar com as medidas de contenção social”, afirma.

Enquanto isso, o médico avalia ser necessário manter os setores produtivos que são imprescindíveis. “O que tem que funcionar é a proteção social e de setores que são importantes, mas não são essenciais. Precisamos evitar um colapso total do sistema de saúde. Se liberar não teremos como tratar os doentes por falta de meios”, alerta.

Um aspecto que o diretor da Sociedade Mineira de Infectologia afirma ser importante é que as pessoas percebam que aos poucos ajustes vão sendo feitos para que o país não fique completamente parado. “Ajustes devem ser feitos a todo momento e esses ajustes vão manter a economia rodando. Tudo com base técnica. Não acaba com uma epidemia o discurso nem por decreto”, disse. Ajustes necessários seriam, por exemplo, manter os postos de gasolina e mecânicas funcionando para que os veículos de transporte de cargas não cessem o abastecimento das cidades. “Ajustes serão para economia, mas isso deve ser uma coisa paulatina e responsável”.

Isolamento – Certos trabalhadores não poderão deixar de ir aos seus empregos e com isso se tornarão uma fonte perigosa de contaminação para toda a sua família. Para esses casos, o médico infectologista recomenda uma compartimentação do isolamento. “Se for possível se afastar dos idosos e pessoas com baixa imunidade. Quando voltar do trabalho, isso será necessário. Seria bom providenciar um quarto separado, banheiro separado com muita ventilação. Ter muitos cuidados com a higiene. Lavar bem as mãos e as roupas, os utensílios que podem entrar em contato com as pessoas nessas condições”.

Ao menor sintoma de gripe ou resfriado, o médico recomenda o afastamento completo. “Aí teria de ficar isolado mesmo. Se puder se mudar de casa por um tempo, também seria bom”. As alterações nos ritmos de trabalho também são formas de aliviar a situação econômica e manter um isolamento mínimo e racional, na opinião do médico. “Tem gente que passou a dormir no trabalho. Há de se combinar com os patrões também. Uma empregada doméstica, por exemplo, que via todos os dias, pode reduzir suas idas a duas vezes por semana nesse período. Mudar o horário de trabalho para pegar um transporte público mais vazio. Tudo pode ser ajustado sem prejudicar o isolamento social que é necessário”, disse.

A condição das pessoas mais pobres, que vivem em favelas dormindo em casas onde por vezes toda a família divide um mesmo quarto é realmente mais preocupante. “Esse grupo é o mais vulnerável a essa doença, como é a várias outras e infelizmente precisarão de adotar esforços maiores para se preservar dentro de sua realidade. A epidemia não começou pelas classes C, D e E, mas chegou lá e ainda não começou a face mais cruel da doença”, alerta Starling.
Fonte: Estado de Minas