Gastróloga, designer, psicóloga, técnica em vestuário e bombeira. As profissões são distintas, mas essas mulheres estão envolvidas em um mesmo propósito. Deixaram de lado o emprego e até a família para prestar solidariedade às vítimas da tragédia de Brumadinho, na Grande BH. O desastre já provocou a morte de 115 pessoas.
A sensação para todas é de angústia. No entanto, buscam sempre ressignificar o sentimento, como conta Gilmara da Silveira, de 45 anos. Casada e com um filho de 10, a gastróloga suspendeu o trabalho com o delivery de comidas, em Brumadinho, para ser voluntária. Desde domingo, chega às 7h na Igreja Matriz, no Centro, e só vai embora às 22h.
“Servimos café da manhã, almoço, café da tarde e jantar. A comida é feita com muito amor”, afirma. Os alimentos são entregues a moradores, voluntários e agentes das forças de segurança. Os ingredientes utilizados no preparo são doados.
Emocionada, Gilmara lembra que há 15 dias houve uma festa na igreja. Na ocasião, inúmeras pessoas que hoje estão entre as desaparecidas compareceram, compraram nas barraquinhas e até cantaram para os outros fiéis. “Agora estão debaixo da lama. Dá para acreditar?”.
Incrédula também ficou a técnica em vestuário Laura Baggio, de 57, com a notícia do rompimento da barragem. De Monte Sião, no Sul de Minas, pegou estrada em direção à Primeira Igreja Batista de Brumadinho para prestar apoio aos colegas de congregação. A função dela é atuar na lavagem das roupas dos bombeiros, a quem chama de heróis.
“Entregamos os uniformes sequinhos, embalados. Ainda mandamos um chocolate e uma palavra de conforto”, comenta Laura, enquanto mostra a varanda do templo, que se tornou uma lavanderia desde terça-feira.
Foi justamente nesse dia que a designer Isadora Mira, de 29 anos, chegou de São Paulo. A rotina da mulher começa às 7h, quando inicia o plantão na lavagem dos uniformes. Às 13h, segue rumo aos cemitérios. Lá, leva um “abraço e o ombro”, como diz, aos familiares das vítimas.
Isadora só descansa à noite. “Vou me virando para estar aqui. Mas é muito difícil. Se de longe já dá um nó na garganta, aqui dá nó em tudo”, diz. Ontem, ela embarcou de volta à capital paulista. Porém, a vontade é de retornar. “Na segunda-feira, ligarei. Se precisarem de mim, na terça-feira estou aqui novamente”.
Amparo
A cidade também foi varrida pela tristeza. Para quem lida diretamente com as vítimas, a dor pode ser mais intensa. É o que diz a psicóloga Thatiane Cardoso, de 30 anos. No dia do rompimento, a mulher diz que sentiu vontade, de imediato, em comparecer ao município e ajudar da forma que conseguisse. Ao saber do recrutamento feito pelo Conselho Regional de Psicologia de Minas Gerais (CRP-MG), que tem uma comissão específica para tratar de situações como essas, fez logo a inscrição e foi chamada.
Saiu de Varginha, no Sul do Estado, em direção a Belo Horizonte. Desde quinta-feira, vem da capital mineira às 7h30 para Brumadinho e retorna às 18h. Pediu licença no emprego que tem na Prefeitura Municipal de Ponte Nova e tem se dedicado ao cadastramento das vítimas do desastre. “Os olhares são diferentes do que na televisão. Aqui, eles nos veem como uma solução. É muito mais intenso”, diz.
Sem distinção
Até no meio da lama lá estão elas. Em um grupo de cerca de 30 bombeiros, a soldado Emília Couto, de 26 anos, participa das buscas por corpos de desaparecidos nos rejeitos de minério. Na corporação desde 2014, esse é o primeiro grande desafio da jovem. E ela nem pensa em parar.
“Aqui não tem distinção por gênero. Cada um vai no seu limite. Todo mundo faz o mesmo serviço com o mesmo empenho”, explica a militar, lotada no 1º Batalhão, em Belo Horizonte.
Emília sabe o que está dizendo. Nesta semana, a equipe de reportagem do Hoje em Dia viu a jovem praticamente mergulhar na lama. Nem mesmo as seis picadas que levou dos marimbondos a fez desistir da missão. “Na situação grave em que a gente se encontra não podemos parar”, comenta.
Entenda como funciona a lavagem dos uniformes dos bombeiros: as roupas sujas de barro recebem um jato d’água. Em seguida, permanecem de molho por um tempo em uma bacia, sendo higienizadas com um produto químico. Depois, são levadas para a máquina de lavar, passam pela centrifugação e são estendidas no varal em uma área da igreja
Para a militar, deslocar na lama é o principal dificultador, exigindo intenso preparo físico e psicológico. “É extenuante”, desabafa. A dieta foi alterada para que o grupo dê conta dos trabalhos: o tradicional arroz com feijão deu lugar a suco, frutas e sanduíche natural.
À noite, ela consegue se alimentar melhor. Quando sobra tempo, ainda tenta aliviar a tensão enviando mensagens para a família. “Digo que está tudo bem, mas tem vez que não consigo mandar, e eles entendem. Ficam apreensivos, mas sabem que estou fazendo o que gosto”, conta.
Fonte: Hoje em Dia