A necessidade de se verem representadas em brinquedos foi o que levou 22 detentas do presídio de Pouso Alegre (MG) a criar uma linha de bonecas de pano inclusiva. O projeto, que tem orientação da professora Letícia Rodrigues, começou em julho de 2018 e já vendeu mais de 50 bonecas.
"As meninas disseram como não se veem representadas na boneca Barbie. Aí surgiu a ideia de criar uma que representasse melhor a menina brasileira. E que menina? Toda menina, a branca, a ruiva, a que usa óculos, a que é cadeirante, a que é negra e os diversos cabelos que a negra tem, a gordinha", conta.
O processo de confecção foi complicado no início, e levou um certo tempo até que todas aprendessem a fazer as bonecas. Apesar disso, Letícia reforça que a vontade de participar das detentas ajudou na construção de um esquema.
"Elas foram muito participativas. A gente criou um processo de produção, isso foi o mais interessante de tudo, porque foi uma possibilidade delas colocarem em prática tudo aquilo que a gente vinha estudando na teoria", explica.
Dificuldades e superação
Sem o material adequado para confeccionar as bonecas, Letícia lembra que levou a própria máquina de costura para a sede da Associação de Proteção e Assistência aos Condenados (Apac), onde o serviço era realizado. A falta de estrutura foi um problema quando as encomendas por novas bonecas passou a ser feita.
"De repente, a gente se viu tomada por encomendas e nessa limitação de produção. Porque a gente não tinha nem máquina de costura, ela era minha e eu tinha levado para ajudar. Precisava mudar isso", relata.
Para escolher qual boneca fazer e qual seria sua singularidade, elas procuravam recortes em revistas. Além disso, muitas voltaram para a própria infância para buscar inspiração.
"Fomos nos aperfeiçoando, elas começaram a dar ideias do que podíamos fazer e quais deficiências ainda não haviam sido representadas. Pensamos, inclusive, em crianças com transplantes, com câncer. A gente ainda tem muita coisa para tirar do papel", diz.
Processo de confecção
Com a prática, as detentas conseguem fazer uma boneca de pano em aproximadamente uma hora. Mas Letícia explica que as negras levam um tempo para ficarem prontas, especialmente por causa do detalhe nos cabelos.
"Precisamos enrolar a lã em um palito de churrasco e deixar cozinhar por 5 minutos. Depois disso, a gente tira, espera secar e põe no forno por mais 15 minutos até ficar com a aparência ideal".
Além desse detalhe, existem as bonecas que precisam de acessórios. É o caso da boneca com deficiência física, que é a mais vendida e vem com uma cadeira de rodas. Para deixar tudo direitinho, os detentos que trabalham na Apac masculina confeccionaram as cadeiras de roda do tamanho perfeito para encaixar as bonecas.
Feira de negócios e novas oportunidades
Em novembro, as detentas tiveram a oportunidade de apresentar o projeto em uma feira de negócios promovida pela Universidade do Vale do Sapucaí (Univás). De acordo com Letícia, o próximo passo é vender as bonecas de pano pela internet. Para isso, ela já sabe que novos desafios virão.
"A gente precisa melhorar um pouco na questão de infraestrutura, a gente precisa de uma máquina de costura, comprar alguns materiais, porque a gente tem uma certa segurança de que a demanda seja muito grande e nesse momento a gente não tem condição de atender", fala.
Se para Letícia a oportunidade de ver as detentas desenvolverem o trabalho de forma tão consciente é algo inspirador, para as mulheres é uma chance de se sentirem representadas.Para ela, as mulheres e crianças têm dificuldades em encontrar bonecas que tenham características comuns e fujam dos estereótipos padrão.
"Uma coisa bem simples, uma boneca com óculos, por exemplo, é bem difícil de se encontrar no mercado. Se você for em uma loja de brinquedos, você terá muita dificuldade de encontrar uma boneca negra. A maioria, certamente, será branca, loira e dos olhos azuis, enquanto a maioria delas [as detentas] é negra", diz.
Por isso, acredita que o tranalho realizado é tão importante, pois além de contribuir para o aprendizado das detentas, faz com que muitas se enxerguem como são e admirem a si mesmas.
"Essas mulheres olharam para si mesmas e para sua própria infância e perceberam que nunca se viram representadas em um brinquedo", conclui.
Fonte: G1 Sul de Minas