Casos de automutilação entre adolescentes são cada vez mais frequentes e acendem alerta

O crescimento dos casos de automutilação é preocupante, pais, amigos e escola devem estar atentos. 
ELES PRECISAM DE AJUDA!




Cortar na própria carne não é uma metáfora para muitos adolescentes. A disseminação da prática da automutilação em redes sociais dá uma pista sobre um problema que preocupa um número crescente de especialistas e escolas, que têm organizado palestras e eventos sobre o tema. Psiquiatras já falam em “epidemia” de um castigo autoinfligido para, na ótica dos jovens, minorar sofrimentos emocionais ou psicológicos. E alertam: grande parte dos pais sequer percebe que os filhos têm se cortado com canivetes, lâminas de barbear e até lâminas de apontadores de lápis.


Embora possa parecer estranho, a automutilação entre os jovens pode ocorrer como uma espécie de “moda”, quando alguém no grupo de pares experimenta fazê-lo e acaba por ser seguido pelos outros. Sendo uma experiência dolorosa, a maioria dos adolescentes acaba por interromper o comportamento. No entanto, quando a automutilação persiste, geralmente é porque estamos perante um jovem que vive em grande sofrimento emocional, que busca na dor do corpo uma “justificação” para a dor emocional. Refletindo com o adolescente sobre a sua relação com as emoções, este começa a ganhar consciência de que é mais sensível às emoções, sentindo-as de forma mais profunda e intensa que os outros, optando por não as expressar, “guardando-as só para si”, e demorando mais tempo a sentir-se reconfortado, com todos os custos que isso acarreta.


Na última edição do Manual Diagnóstico e Estatístico de Doenças Mentais (DSM-5, na sigla da Associação Americana de Psiquiatria), a automutilação sem intenção de suicídio ficou sob observação para ser tratada como um transtorno isolado, apesar de estar comumente associada a comportamentos obsessivos compulsivos e outras síndromes, como a de Borderline. De acordo com o psiquiatra Olavo de Campos Pinto, membro do International Mood Center e ex-professor da Universidade da Califórnia (EUA), o principal público atingido são meninas de 13 a 17 anos. A internet tem papel preponderante na disseminação atual da prática, que ele chama de epidêmica.


-Nessa idade, a pessoa não tem a personalidade formada e assume um comportamento de grupo altamente perigoso. As redes sociais são multiplicadores, o principal combustível, e (a automutilação) está se tornando uma epidemia. É uma maneira de lidar de forma impulsiva e destrutiva com frustrações e ansiedades. Tenho visto cada vez mais casos na pré-adolescência. É assustador — diz Campos Pinto. — Estudos de condução nervosa sugerem que, quando há uma sensação de frustração, o corte alivia a dor psíquica. Há um alívio imediato, mas, quando passa, vem uma sensação de vergonha, de arrependimento, de ser descoberto no seu ato.

A psicóloga clínica Elisa Bichels diz que já atendeu a mais de 80 pacientes de 13 a 16 anos com casos de automutilação, todos de classe média e alunos de escolas particulares do Rio. Segundo ela, além dos cortes, há outras formas de autoagressão como queimaduras, menos usuais. Ela também afirma que o aumento da incidência está ligado às redes sociais.

— Há quem se utilize de um ato autolesivo pela dor, mas outros (o fazem) porque todo mundo está fazendo, para ver qual é. Há blogs que ensinam qual a melhor lâmina, em que parte do corpo você tem mais alívio. A questão maior é convencê-los de que as informações não são verdadeiras. Para dar vazão instantaneamente àquela angústia enorme, eles deslocam o sofrimento. Por isso, vira uma compulsão. Eles ficam prestando atenção ao corte, comemoram o aniversário da cicatriz.... Muitas vezes já consegui evitar lesões conversando com eles pelo WhatsApp — conta Elisa.


Manter a calma será um importante primeiro passo a adotar pelos pais quando descobrem que o filho se automutila. Alguns pais reagem com pânico e desorientação, o que poderá agravar ainda mais a sensação de desconforto do adolescente. Dizer apenas para parar de o fazer terá também pouco efeito. No entanto, retirar do alcance do jovem objetos com que se possa magoar pode ser de extrema importância. Paralelamente, e com efeito mais duradouro e profundo, será fundamental adotar uma postura de disponibilidade para escutar o que preocupa o jovem e o que está a sentir. Assim, mostre interesse por aquilo que o jovem pensa e sente, dando-lhe espaço para (mas não o obrigando a) partilhar.1

Em simultâneo, o encaminhamento para um profissional qualificado, como um psicólogo, será importante no sentido de serem aprendidas/desenvolvidas outras estratégias de regulação emocional alternativas mais adequadas.




Automutilação na Adolescência Como Ajudar 

Estes adolescentes, uma vez que demonstram uma extrema dificuldade em falar sobre eles próprios, é mais difícil perceber os comportamentos auto-infligidos, pois têm medo da rejeição, de serem julgados, porque acreditam que ninguém os consegue compreender e ajudar.

Para o tratamento da automutilação, tem-se mostrado eficaz o uso de medicação em simultâneo com psicoterapia. Não existe uma medicação específica para o tratamento destes comportamentos. Mas os medicamentos que aliviam a sintomatologia depressiva e ansiogénica, podem colaborar na diminuição da vontade de automutilar-se.

A psicoterapia visa ajudar o adolescente a procurar outras formas de lidar com as frustrações. Permite ajudar a identificar os problemas implícitos que provocam os comportamentos auto-mutiladores. A terapia pode, também, ajudar a gerir melhor a angústia/preocupação, ajudar a regular a impulsividade e outras emoções. Aumentar a auto-estima, melhorar os relacionamentos, e desenvolver capacidades/aptidões de resolução de problemas mais assertivas.

O melhor será que o adolescente procure um psicólogo que possa fazer o diagnóstico e apresente um plano terapêutico. Esta iniciativa deve partir do próprio adolescente, não devendo ser forçado.

Os pais, amigos e a escola devem estar atentos, e quando notarem mudanças no comportamento do adolescente que poderá enquadrar-se num quadro clínico de automutilação, deverão incentivá-lo a procurar voluntariamente ajuda psicológica.

Durante o tratamento, há a possibilidade de recaídas, daí a necessidade constante do adolescente evitar ser exposto a pensamentos de dor. Contudo há que estar atento, porque nem sempre uma recaída está relacionada com um problema grave, como a morte de um ente querido, o divórcio dos pais ou um acidente. Uma simples discussão com um amigo, com o progenitor ou com um(a) namorado(a), pode desencadear níveis significativos de dor e sofrimento, que leve o adolescente a automuliar-se desesperadamente.

O adolescente, mais do que qualquer outra coisa, precisa ser amparado, apoiado e ter a sua angústia reconhecida. Pois grande parte do que está a sentir acontece, devido a uma desorganização psíquica que está a vivenciar nesta fase desenvolvimental.

Fonte de pesquisa: Vittude, Oficina de Psicologia, Wecareon ; Matérias- O Globo e Gauchazh

Por Roberta Pimenta