SINDICATOS SENTEM OS IMPACTOS DA REFORMA TRABALHISTA

Sindicatos devem encolher um terço e demitir até 100 mil pessoas



Matéria publicada no jornal O Tempo, por Queila Ariadne, em 4/12/2017

Até o ano que vem, os sindicatos do Brasil devem demitir cerca de 100 mil pessoas. A estimativa, feita pelo Departamento Intersindical de Estatística e Estudos Socioeconômicos (Dieese), leva em conta os efeitos do fim da obrigatoriedade da contribuição sindical. Principal fonte de renda do setor, ela foi extinta com a implantação da reforma trabalhista.

“Em levantamentos feitos por nós, estimamos que as entidades sindicais brasileiras tenham 300 mil trabalhadores no país. Se a perda de receita sindical for da ordem de um terço, cerca de 100 mil trabalhadores (diretos e indiretos) poderão ser afetados pela reforma trabalhista”, afirma o técnico do Sistema de Acompanhamento de Informações Sindicais (Sais/Dieese), Luis Ribeiro. Ele ressalta que tudo ainda está no plano especulativo. “Nós não sabemos o tamanho do impacto sobre o movimento sindical”, diz.

As demissões já começaram e têm sido maiores nos setores com menor taxa de filiação e naqueles com alta rotatividade, como é o caso do comércio e da construção. O Sindicato dos Empregados do Comércio de Belo Horizonte e região metropolitana (SEC) tem cerca de 10 mil filiados, num universo de 120 mil comerciários. Ele já cortou 30% dos funcionários.

Edilson Lima, que trabalhou na entidade por 37 anos, foi um dos demitidos. Ainda assim, ele se considera numa situação melhor do que muitos colegas. “Fui vendo que ia faltar dinheiro para pagar até salários, então me ofereci para entrar na lista e conseguir receber meus direitos. A partir de agora, pode ser que os sindicatos nem tenham dinheiro para pagar os acertos”, lamenta Lima.

“Já sabíamos que, com o fim da contribuição obrigatória, nossa receita cairia. Então, desde agosto estamos fazendo algumas demissões. Para equalizar os gastos, cortamos os médicos que mantínhamos para atender os filiados e firmamos serviços com clínicas”, afirma o presidente do SEC, José Clóves.

Advogado trabalhista do escritório Abi-Ackel, André Myssior afirma que, para manter as atividades com menos receita, os sindicatos terão que se adaptar à nova realidade. “Eles terão que buscar novos meios para conquistar mais filiações, mostrar ao trabalhador que vale a pena se filiar, para gerar caixa”, comenta. Mas o desafio será grande. “Vamos fazer campanhas para atrair mais filiados, mas será três vezes mais difícil mostrar serviço num momento em que estamos mais descapitalizados”, afirma Clóves. No SEC, a contribuição representava 60% da receita.

O Sindicato dos Engenheiros do Estado de Minas Gerais (Senge-MG) implantou um Plano de Demissão Voluntária (PDV). Lá, de 33 funcionários, restam 13. Sindicatos como o dos bancários e o dos eletricitários também perderão receitas, mas, como têm mais filiados, sentirão menos. “O Sindieletro não demitiu ninguém porque sempre procurou não depender tanto da contribuição obrigatória. O impacto maior será para quem tem menos filiados e em setores com alta taxa de rotatividade, em que os funcionários saem rápido”, explica o diretor de comunicação do Sindieletro, Arcângelo Queiroz. “Esses sindicatos não podem contar muito com as outras fontes de receita, que são taxas pagas pelos sindicalizados”, diz.

PDI. A Central Única dos Trabalhadores (CUT) já deu início a um Programa de Demissão Incentivada (PDI). O objetivo é enxugar 60% da folha de pagamento. Hoje, são cerca de 180 funcionários.

Setor jurídico também vai ser enxugado

Com a reforma trabalhista, as empresas não são mais obrigadas a homologar as demissões nos sindicatos. O fim dessa exigência, que antes valia para todos os contratos de funcionários com mais de um ano de trabalho, também contribui para o encolhimento dos sindicatos. As entidades manterão o suporte jurídico para os trabalhadores, mas, sem a obrigatoriedade da homologação, muitos vão reduzir esse setor.

O advogado trabalhista do escritório Abi-Ackel, André Myssior, acredita que, até os sindicatos conseguirem se adaptar, a demanda vai cair, em um primeiro momento, assim como a receita. “Nessa lacuna, até eles se organizarem, pode ser que haja um aumento da demanda por advogados trabalhistas, já que, sem a homologação no sindicato, os trabalhadores podem buscar outro tipo de suporte”, observa.

Sem recursos, perderão força

Pelo texto do projeto da reforma trabalhista, a proposta é fortalecer os sindicatos. A partir das novas regras, os acordos e as convenções coletivas terão mais valor do que o previsto em lei, aumentando a relevância sindical. Entretanto, na opinião da professora de direito do trabalho da FGV/Faculdade IBS Selma Carloto, a mudança é controversa, uma vez que os trabalhadores não serão mais obrigados a contribuir. Assim, a receita passaria a ser garantida pelo aumento da filiação – que, segundo ela, fica comprometida.

“O governo determinou que o negociado prevalecerá sobre o legislado. Entretanto, ao descapitalizar os sindicatos, está enfraquecendo essas entidades”, diz.

Selma explica que, até 2017, o recolhimento da contribuição sindical era efetuado no mês de abril de forma obrigatória, mesmo para não associados, segundo o artigo 582 da CLT. Agora, os trabalhadores terão que assinar uma autorização prévia em janeiro, permitindo o desconto. “O governo chegou a escrever uma minuta prometendo criar uma nova taxa, mas isso não aconteceu”, explica.

Segundo o governo, o objetivo é desmantelar sindicatos criados mais para arrecadar do que para ajudar o trabalhador. “Há uma distorção nessa fala. O principal trabalho de um sindicato é negociar a convenção e o acordo coletivo. Mas, ao não colocar outra taxa no lugar do imposto obrigatório para financiar esse trabalho, o sindicato é quebrado intencionalmente. Isso funciona em alguns países onde a taxa de sindicalização é de 90%, o que garante a receita com o pagamento das mensalidades”, afirma o diretor técnico do Dieese, Clemente Ganz.

Na avaliação dele, outro caminho para garantir a receita das entidades seria restringir os benefícios conquistados na negociação apenas aos associados, o que motivaria a filiação.

Saiba mais

Contribuição sindical: Equivalente a um dia de trabalho, era descontada automaticamente da folha de pagamento, em abril. Depois da reforma, o trabalhador terá que autorizar o desconto.

Contribuição assistencial: Taxa descontada após assinatura da convenção, para ajudar a pagar os custos da negociação. Não é obrigatória, e o trabalhador tem direito à oposição. Continua assim.

Mensalidade: É paga apenas pelos trabalhadores que são sindicalizados. Não muda.

Fonte: O Tempo