Os primeiros caxambuenses / Estácio da Silva e o nascimento da maior estância hidromineral do planeta





Estácio da Silva. Este sim exigiu muita pesquisa nos registros históricos, mas conseguimos, afinal, recuperar sua trajetória pessoal. Ele é conhecido na história de Caxambu, pois foi quem solicitou, "por provisão", a construção de uma capela em sua propriedade, no ano de 1743, que seria a futura Igreja Matriz Nossa Senhora dos Remédios, marco do que mais tarde se tornaria a maior estância hidromineral do Planeta: Caxambu.


Mas, antes, temos que contar histórias. É. Vocês, leitores, que gostariam de conhecer os antigos caxambuenses, tenham paciência, pois a história é longa e cheia de reveses. Na verdade, os primeiros caxambuenses eram... baependianos, pois a paróquia estava sob a jurisdição de Baependi. Não esqueçamos que os escravos e seus descendentes também foram os primeiros caxambuenses mas, diferente dos brancos, não tinham seus sobrenomes anotados nos registros. Muitos, ao serem batizados, adotavam os sobrenomes dos seus proprietários. Quem sabe, na lista a seguir, descobrem um sobrenome seu em algum parente do passado? Com absoluta certeza! Os Lemes, Pereiras, Prados, Pinheiros, Meirelles, Villelas, Nogueiras, Cobras...

Senta que lá vem história!


Um rosário de datas e gentes


Todos os registros nos dão a pista de que Estácio de Silva era imigrante português, um lisboeta, e que se instalou na paragem do Caxambu por volta do ano de 1728. Naquela época, conseguiam terras na colônia Brasil somente os procedentes de famílias nobres, os que tinham alguma patente militar, como era o caso dele, e quem possuía cabedal, isto é, dinheiro para cultivá-las. O certo é que Estácio da Silva tinha um plantel razoável de escravos, e eles não eram baratos no mercado. O testamento deixado por sua viúva nos revela o quão rico ele era:


"... tem também o valor de 60.000 réis metade do valor de um negro, que lhe foi dado na meação de seu defunto primeiro marido". Se um negro escravo era avaliado em 120.000 réis, concluímos que Estácio foi um homem rico, pois, se contamos bem, possuía ao menos 18 escravos, se não mais.


Não temos estatísticas exatas, apenas os registros de apadrinhamento de seus escravos, arquivados na paroquia de Baependi. Ele fazia o mesmo que todos na região: cultivava a terra. Ali cresciam arroz, milho, tabaco, feijão, centeio, cana e café. Os fazendeiros também criavam animais, como porcos e bois. O excedente era comercializado no Rio de Janeiro, mas também abastecia o mercado interno das Minas Gerais.


Bem, então chegaram as notícias das descobertas de ouro e diamantes, por volta do ano de 1700. A boataria se espalhou como fogo e Minas recebeu uma avalanche de gente de toda estirpe, vinda de todos os lugares do país e de Portugal, em grande número. O sangue dos descendentes daquela gente hoje corre nas veias dos habitantes de Baependi e Caxambu.


No Caxambu


Estácio da Silva tem sua primeira aparição nos registros baependianos em 25 de maio de 1728, como procurador do Capitão Antônio de Freitas, juntamente com Catarina Leme, como padrinho de Antônia, filha do Sargento Mor Manoel Nunes de Gouveia e de Maria do Prado.


Outros registros se seguiram, confirmando a presença de Estácio da Silva "no Caxambu":


- Em 23 de novembro de 1730 foi padrinho de Valério, filho de Francisco Xavier Machado e de Paula Moreira.


- Em setembro de 1733 foi batizado Bento, filho de Sebastião Fernandes e de Guiomar Pires. Foram padrinhos Miguel Roiz da Costa (S. João del Rey) e Luzia Pinheira, solteira (Caxambu).


- Em 7 de outubro de 1737 foi batizada Quitéria, filha de Sebastião e Maria, escravos de Luiz... de Oliveira. Foram padrinhos: José Gomes (?) solteiro e Tomásia de Morais, filha de Domingos de Gois Machado e Ângela Pais Floriana, escravos de Estácio da Silva.


- Em 25 de marco de 1737, aparece Estácio da Silva como proprietário de Maria, filha de Isabel de Morais, "preta de Estácio da Silva";


- Em 28 de agosto de 1738, ainda solteiro, conta dos registros como padrinho de Januário, filho de Luiz Pereira e D. Maria Leme, e anotado "filho da cidade de Lisboa". Um lisboeta ele era, no documento abaixo.

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- Em 28 de setembro de 1738, Estácio da Silva batizou Januário, filho de Luiz Pereira Dias e Maria Leme.

- Em fevereiro de 1740 foi batizada Estácia, filha de... solt, escrava de Pedro... Foram padrinhos: Bento, escravo de João Gomes da Costa, e Isabel, escrava de Estácio da Silva.

- Em ?6 de novembro de 1740, nasceu uma criança, filha natural de Maria, batizada pelos escravos de Estácio, Manoel e Isabel;

- Em 20 de novembro de 1740, foi batizado Manoel, filho de seus escravos Anastácio e Josefa, e batizado por Isabel, "negra forra";

- Em 3 de abril de 1741, foi batizada Escolástica, filha de Francisco Teixeira da Fonseca (?) Lee e Joana... Foram padrinhos: Estácio da Silva e Maria Pires, mulher de Domingos Dias;

- Em 2/? de 1741, batizou Mariana, filha de Francisco e Isabel, escravos de Estácio.

- Em 2/? /de 1741, foi batizado, Antônio, filho de Manuel e Inácia, escravos dele. Foram padrinhos Antônio Fernandes e Domingos Dias.

- Em 6 de julho de 1741, foi batizada Mariana, filha de Sebastião e Maria, escravos de Domingos de Oliveira Lobo. Foram padrinhos Francisco e Isabel, escravos de Estácio da Silva.

- Em 1742, batizou Antônio, filho de Caetano Gomes Pereira e Maria Pires;

- Em 13 de outubro de 1743, nasceu Francisco, filho de Manoel e Inácia, seus escravos, tendo a escrava Isabel como madrinha.

E o plantel de seus escravos crescia. Em 14 de maio de 1744, batizou Mariana, filha do Cap. Domingos Teixeira Vilela e Ângela Isabel. Foram padrinhos Estácio da Silva, ainda solteiro, e Joana Nogueira, casada com João Gomes de Lemos.


Ainda, em 9 de julho de 1747, Estácio da Silva aparece como testemunha de casamento como "morador no sítio de Caxambu", ainda solteiro. Era o último registro em que apareceria como "solteiro". E era mesmo um solteirão para aqueles tempos, pois, aos 44 anos, ainda não havia se casado. Então veio o tempo...
Estácio da Silva deixa de ser solteirão


O casamento de Estácio da Silva com Maria Vitória Vajana, procedente de Vila Nossa Senhora dos Remédios de Paraty, hoje Parati, aconteceu entre os anos de 1744 e 1748. O fato se confirma, pois encontrei uma certidão datada de 18 de fevereiro de 1748 (acima), em que ele, já casado, figura como padrinho de casamento de Antonio Tomaso Gouveia e Anna (?) Correia.

O fato mais importante para a cidade de Caxambu, que nem povoado era, e que viria a se chamar Paróquia Nossa Senhora dos Remédios, aconteceu em 1743, quando ele solicita ao bispado do Rio de Janeiro permissão para a construção de uma capela em sua propriedade. Até aquela data, a diocese "dava obediência aos Bispos do Rio de Janeiro" (2). Em 2 de fevereiro de 1748, a autorização foi concedida, cinco anos após a data do pedido, e assinada pelo primeiro bispo de Mariana recém-empossado, Dom Frei Manoel da Cruz.

Nos registros das Instituições e Igrejas do Bispado de Mariana consta: 116 — Caxambu. Capela "na fazenda do Caxambu, freguesia de Baependi", erigida a pedido de Estácio da Silva por provisão episcopal de 8 de junho de 1748.

"... foi-lhe concedida permissão para edificar a capela dedicada a N. Sra da Conceição, em sítio a ser assinalado pelo vigário de Baependi. Construída a capela, preferiu o fundador dedicá-la a N. Sra dos Remédios, que passou a ser o orago, de acordo com a concessão diocesana."

Em 30 de novembro de 1752, o Coronel Estácio da Silva vem a falecer, aos 52 anos de idade, deixando a viúva Maria Vitória Vajana como sua herdeira universal, pois não tiveram descendentes. No seu testamento, ficou registrado o desejo de que fossem rezadas três missas a Nossa Senhora dos Remédios.


A viúva, o viúvo, o viúvo da viúva



Bem, naquela época não se perdia tempo, até porque quem ajudaria administrar a fazenda e os escravos? Pois Maria Vitória casa-se novamente, em data ainda desconhecida, com João José Pinheiro, filho de Pedro Pinheiro e Maria da Boa Nova, natural de São Salvador, Bispado de Angra, Portugal.

Interessantemente, em 29 de outubro de 1755, três anos após a morte de Estácio da Silva, consta despacho, em Vila Rica, hoje Ouro Preto, de um requerimento sobre a concessão de uma Sesmaria do sítio chamado Mombasa, Freguesia de Baependi, por João José Pinheiro. Estaria o novo marido tentando a legalização das terras em seu nome? Seguramente, porque agora a família iria crescer: Maria Vajana estava grávida. Mas a felicidade do casal não foi duradoura. Em 5 de outubro de 1756, Maria Vitória veio a falecer, deixando como herdeiro universal e consequente de suas propriedades o seu segundo marido, agora também viúvo, João José Pinheiro. No inventário, o viúvo declara que Maria Vitória Vajana faleceu "estando doente de sobreparto" (1), isto é, complicações pós-parto; que tiveram uma filha chamada Maria, que também faleceu. Os bens inventariados: um sítio em que morava, chamado "Caxambu", no Caminho Velho, freguesia de Baependi, "que tem adjunto outro sitio, chamado Mombasa, com casas e vivenda cobertas de telhas, paiol, senzalas, cobertos de telhas. Matas virgens e capoeiras." (1)


As famílias herdeiras e os casamentos

Vocês acham que as histórias dos casamentos acabaram? Que nada! O povo continuou casando, formando família e espalhando seus descendentes. A 4 de outubro de 1757, o viúvo da viúva, o Alferes João José Pinheiro, casa-se novamente com Maria Custódia Nogueira, ela que era filha de Luiz Pereira Dias e Maria Nogueira do Prado, resultando da união os filhos:

1) Maria Antônia Nogueira, que se casou em Ouro Preto com o Sargento Mor José de Meirelles Freire, filho do capitão do mesmo nome e de Maria Magdalena Gonçalves da Cruz:

2) Salviano de Meireles Freire, que faleceu deixando a viúva Anna Engracia , filha do Capitão Antonio Gomes Nogueira Cobra.
Os nomes, as pessoas

Anna Engracia, viúva, casa-se de segundas núpcias com João Constantino Pereira Guimarães, português e negociante de Baependi. João Constantino associou-se, em 1952, a Antônio Teixeira Leal e ao Coronel José Ignácio Nogueira de Sá, grande proprietário de terras na paróquia, entre as quais se encontravam as fontes minerais, os 30 alqueires que deixou como herança no condomínio da fazenda "Caxambu", que abrangia o Vale do Bengo. Falecido Nogueira de Sá, a viúva vendeu o terreno, em 1853, a outro sócio de Constantino, o português Antônio Teixeira Leal, que tinha agora novo sócio. Teixeira Leal construiu um abrigo de alvenaria de pedra e cal e uma casa para banhos, abastecida pelas fontes. Essas foram as bases para o futuro Balneário de Caxambu.
E a princesa engravidou

Com o crescer da fama, a povoação recebe a visita da Família Imperial. Foi com a visita da Princesa Isabel que o governo de Minas acordou para a estância hidromineral. Isabel, que não conseguia engravidar, fez o uso das águas e concebeu um herdeiro para o trono.

Então obras foram realizadas, iniciando-se com a canalização do córrego Bengo, e as fontes foram cobertas com telheiros. Nessa época foi que as fontes receberam os nomes da Família Imperial: Fonte D. Leopoldina, D. Pedro, D. Isabel, Conde d`Eu, Duque de Saxe, com exceção da fonte D. Teresa que não existe mais.

Analisadas as águas e conhecidos os resultados, houve quem pleiteasse a exploração das fontes, o que não foi à frente. Em 1883, o Dr. Saturnino de Sales Veiga fez novo pedido e cedeu seus direitos ao Dr. Lavandera, cuja concessão foi o embrião da primeira empresa arrendatária. Os empresários locais, como Antônio de P. Andrade, Costa Guedes e muitos outros, se reuniram e constituíram capital de 300:000$000 para iniciar o projeto, tendo como presidente o Barão de Maciel, auxiliado pelo Dr. Policarpio Viotti, encarregado da parte técnica e da administração. Uma nova era inaugurava-se.

Assim, o terreno da antiga Sesmaria de Estácio da Silva, passado por herança de geração para geração, se transformou numa das maiores estâncias de águas minerais do planeta.

Fonte:
Instituições e Igrejas do Bispado de Mariana
Arquivos da Diocese de Campanha (3)
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Esboços Coroghaficos, Baependi 1692.1822, Pelúcio J.
(2) Revista Brasileira de Geografia - Sumário, julho de 1940.
(4) Correia Filho,Virgilio, eng. assistente técnico do Conselho Nacional de Geografia, em "Caxambu".

Edição e revisão: Paulo Barcala

postado Solange Ayres às sexta-feira, setembro 15, 2017


Colaboração Blog Família Ayres
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