Uma sensacional descoberta!
Numa foto datada de 1868 (acima), e postada no "Fotos Antigas de Caxambu" por Ruth Villara Viotti, uma informação muito importante já ia "passando batida". Quando observando no detalhe, veio a surpresa: As anotações de seu pai, Rangel Viotti. Pronto! Seguimos a pista. Lá no alto a capelinha! Rangel Viotti fez anotações num livro daqueles que estavam depositados na garagem de sua casa, debaixo das caixas e daquela papelada toda. Que sorte! Ruth fotografou e postou no Facebook. Constava: - 6 Casa Guedes, - 7 Colégio Santa Terezinha, 8- Igreja. Com esses três elementos arquitetônicos, não temos nenhuma dúvida de que se trata do mesmo lugar: o largo da Igreja, onde hoje fica a Igreja Matriz, o Colégio Normal Santa Terezinha e o Casarão da Família Guedes.
A foto havia sido publicada no livro do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatísticas de Alpheu Gonçalves Diniz, em Aguas mineraes do Brasil, no ano de 1936. Mas, bem antes, ela fora também publicada no livro Caxambu, de Henrique Monat, em 1894. Essa foto não tem nenhuma semelhança com as demais registros da Igreja. Como vemos, há uma Capela bem simples, sem torre nem sinos. Sua construção, situada no outeiro, acima da Casa Guedes, possui uma grande porta central e uma pequena porta lateral. Este é então o mais antigo registro da Capela Nossa Senhora dos Remédios até agora.
Senta que lá vêm os fatos
Foi nos idos de 1743 que Estácio da Silva solicita a permissão para a construção de uma capela em sua propriedade, na chamada Fazenda do Caxambu, freguesia de Baependi, ao Bispado do Rio de Janeiro, pois, até aquela data, a diocese "dava obediência ao Bispado do Rio de Janeiro" (1)
Nos registros das Instituições e Igrejas do Bispado de Mariana consta: 116 — Caxambu. Capela "na fazenda do Caxambu, freguesia de Baependi", erigida a pedido de Estácio da Silva por provisão episcopal de 8 de junho de 1748, 5 anos da data do pedido. A autorização foi assinada pelo primeiro bispo de Mariana recém-empossado, Dom Frei Manoel da Cruz, no mesmo ano. Naquela época Caxambu ainda não existia, e nem se sabia da existência das águas milagrosas, escondidas na mata, borbulhando no pântano, ao pé do Morro. O morro sim já era conhecido entre os viajantes e bandeirantes desde 1700, por Morro do Caxambu (leia aqui a história completa do Morro de Caxambu). Somente duas fazendas eram conhecidas: a do Palmital e a de Estácio da Silva, denominada Caxambu. E como tudo que acontecia girava em torno das igrejas, a capela se tornaria o centro da povoação, ajudando a escrever a história das "Águas do Caxambu".
"... foi-lhe concedida permissão para edificar a capela dedicada a N. Sra da Conceição, em sítio a ser assinalado pelo vigário de Baependi. Construída a capela, preferiu o fundador dedicá-la a N. Sra dos Remédios, que passou a ser o orago, de acordo com a concessão diocesana"(3). Mas teria Estácio da Silva construído a capela? E onde? Então veio a resposta.
Os primeiros protagonistas e seus destinos
Em 30 de novembro de 1752, falece o Coronel Estácio da Silva, aos 52 anos de idade (óbito acima), deixando a viúva Maria Vitória Vajana como herdeira. No testamento, seu desejo para que fossem rezadas três missas à Nossa Senhora dos Remédios. Em 5 de outubro de 1756, Maria Vitória também vem a falecer, oito anos após a solicitação do seu finado marido para a construção da Capela, deixando como herdeiro universal e consequente suas propriedades (testamento abaixo) o seu segundo marido, João José Pinheiro. No inventário, o viúvo declara que Maria Vitória Vajana faleceu "estando doente de sobreparto" (1), isto é, complicações pós-parto. Seus bens inventariados: um sítio em que morava chamado "Caxambu", no Caminho Velho, freguesia de Baependi.
Consta da lista n° 116 no "Instituições de Igrejas no Bispado de Mariana": Caxambu: Capela na "fazenda do Caxambu, freguesia de Baependi", erigida a pedido de Estácio da Silva por provisão episcopal de 8 de junho de 1748.
O Cônego de Mariana, Dom Frei José da Santíssima Trindade, na primeira de suas cinco "visitas" feitas às igrejas e capelas no interior da província, passou por Baependi em 3 de maio de 1824. No registro publicado, em 1838, constavam somente as seguintes capelas filiais da Igreja Matriz Nossa Senhora de Mont Serrat: Santo Antonio do Piracicaba, São José do Favacho, atual Cruzília, e Conceição do Rio Verde. Sobre a suposta capela Nossa Senhora dos Remédios, do Caxambu, nenhuma palavra. Escrever requerimento solicitando a construção da capela era uma coisa, agora construí-la era outra e, mais ainda, mantê-la em pé. Se, nos lugares onde os fazendeiros eram mais abastados, as construções se arrastavam por décadas, o que dizer de uma capela a ser construída na quase inexistente povoação?
Analisando os mapas
A informação contida na Revista Brasileira Geográfica, de 1940, relata Virgilio Correia Filho no capítulo "Caxambu": "As suas edificações alongam-se pelo vale, onde começam, como ainda atestam os casarões em ruínas, adiante da Matriz, que ostentam na fachada a data de sua construção, em 1871, e já sobem pela encosta."
No Dicionário Geográfico do Brasil, publicado em 1894, escrevia Alfredo Moreira Pinto: "Em 1872, levantou-se no centro da povoação uma pequena capella dedicada a N. S. dos Remédios, que é o orago deste florescente logar" (recorte abaixo). Outra afirmação: Segundo o reverendo Lefort, guardião dos registros paroquiais de Campanha: "Só em 1872 é que aparece pela primeira vez o nome Capela, prova de que foi ela construída nesse ano."
E, somente no ano de 1873, segundo "dados fornecidos pelo Coronel Fulgêncio de Castro", a "Igreja" constou na planta da povoação Águas Virtuosas de Caxambu, assinado por José Pinheiro da Fonseca Silvares (foto), sendo o terreno ao lado reservado para a "Eschola", a futura Escola Normal Santa Terezinha.
Era a capelinha da foto ao alto a que foi erguida por Estácio da Silva?
Aqui uma explicação para o destino da Capelinha, da qual não se tinha notícia precisa até agora, a não ser que foi dada a autorização para a sua construção em 1748, nas terras de propriedade de Estácio da Silva, na Fazenda do Caxambu. Sem as anotações de Rangel Viotti, pai de Ruth Viotti, não teríamos despertado a atenção para a pequenina construção no alto da colina.
O texto extraído do livro "Instituições de Igrejas, Bispado de Mariana", publicado em 1945, expõe as dificuldades de preservação do antigo patrimônio eclesial.
"A deficiência de informes seguros sobre as datas e as circunstâncias em que foram edificados e decorados tantos dos monumentos artísticos daquela região do país, inclusive alguns dos mais importantes e significativos, tem causado prejuízo muito grave aos estudos empreendidos até agora acerca da história da arte no Brasil. Em verdade, o acervo de obras de arquitetura religiosa existente em Minas Gerais é por certo o mais vasto e talvez o mais característico que possuímos. Ali, de fato, segundo Lúcio Costa, "a febre de construções, logo na primeira metade do século XVIII, foi verdadeiramente extraordinária, chegando a parecer espantosa a rapidez com que se ergueram, em substituição às primitivas capelas provisórias, capelas definitivas e matrizes de madeira e barro, algumas ainda trabalhadas no estilo seiscentista, outras no estilo profuso e pletórico característico daquela primeira metade do século XVIII.”
Não há sombra de dúvidas de que a foto ao alto comprova que a capelinha foi construída antes de 1868, ano em que foi feita a foto. Lá está ela, construída no mesmo lugar onde hoje se encontra a Igreja Matriz. Entretanto, parece que esta pequena capela foi derrubada para dar lugar à denominada Capela Nossa Senhora dos Remédios, com duas portas laterais (foto abaixo).
Capela curada
Construída a capela, agora faltava somente o capelão. Ela contava com os donativos dos mais abastados, como o Barão de S. Victor, que soube da iniciativa de José Maria Costa Guedes e "oferece-se para mandar a prontificar o Álbum a suas expensas".
Em 1883, reclamava o jornal O Baependiano da falta do capelão e pedia auxílio aos cofres públicos "que lhe poderá ser concedido elevando-se a capella a categoria de capella curada".
Mas o que seria uma capela Curada e o que significava para a povoação? Capela curada era um título oficial dado pela Igreja Católica a uma vila com determinada importância econômica e populacional que tivesse uma capela com celebrações realizadas, regularmente, por um pároco. A obtenção desse título era fundamental para o desenvolvimento das aglomerações urbanas, e era mais um passo para se criar uma Freguesia.
No Brasil Colonial, até a data da Proclamação da República, para que houvesse o reconhecimento de um povoado, era necessária a autorização integrada dos poderes do Governo e da Igreja. Com o aumento da população, os seus políticos e moradores poderiam solicitar à Assembleia Provincial a criação de uma Freguesia, o mesmo que Paróquia, o que aconteceu com a de Nossa Senhora dos Remédios em 16 de novembro de 1875, pela lei Provincial n°2157.
Com a Proclamação da República, em 1889, houve a total separação entre Igreja e Estado, e seus municípios se tornaram autônomos. Não esquecemos que a religião católica, no tempo do Império, era a religião oficial do Estado e este tinha o dever de pagar salários aos padres e bispos.
O dedicado José silveira Nogueira da Luz foi também o responsável pela aquisição do órgão da igreja. Ele empreendeu a dura viagem até a Corte do Rio de Janeiro, em 25 de janeiro de 1887, para a aquisição do "Harmonium", como era chamado, que chegou em 6 de março do mesmo ano. Veio dos Estados Unidos! Chique. Espero que ainda esteja lá!
Em 9 de outubro de 1892 a capela sofreu modificações e foi lançada a pedra fundamental para erguer a Igreja Matriz. Em 1900, temos notícias de que as obras estavam em andamento. O jornal O Apóstolo noticia que "as obras da nova Matriz do logar, egreja que vae sendo construída a esforços do Rvn. Vigário José Silveira Nogueira da Luz". Na verdade, a Igreja já existia. O que ocorreu foram modificações substanciais no prédio. As duas portas laterais foram substituídas por uma porta central; a torre do campanário tomou outras formas e as janelas adquiriram formas neogóticas. Suas obras foram concluídas em 1º de janeiro de 1906 (foto acima), sendo o padre José Silvério Nogueira da Luz o idealizador e responsável por elas.
De volta com a pracinha!
Todos os esforços em prol de melhorias da Capela não foram em vão, exceto um: os esforços de um padre de pôr abaixo a histórica Igreja. No final da década de 1970 ele resolveu porque resolveu construir uma hipermoderna igreja, cheia de vidros. E, o pior, convenceu parte da população para o feito, que via no padre uma liderança na cidade.
Pois bem, ao que as primeiras estacas foram cravadas no chão duro, a velha Igreja tremeu. Com o perigo de desabamento, as obras foram suspensas e ela foi salva. O padre que teve a (péssima) ideia não tinha noção de estética nem de patrimônio histórico e, pior ainda, deixou seus "rastros". A bela escadaria deu lugar a um prédio que destoa do conjunto arquitetônico, embora a fachada tenha sido modelada em estilo da Igreja.
Mas acredito que o maior problema de tudo foi e é a falta de conhecimento da história dessa Igreja por parte dos caxambuenses. Se eles soubessem do seu passado, talvez pudessem ter evitado o que aconteceu, e a linda pracinha ainda estaria lá, ou ainda poderia ter sido restaurada, como fez o seu Costa Guedes em 1885, removendo terra e plantando árvores. Ficaríamos ainda gratos aos padres de boa vontade se um dia restaurassem a escadaria e a antiga pracinha em frente à igreja. Seria um acontecimento histórico para a cidade. Sonhar não custa.
Fonte:
Projeto Compartilhar (1)
IBGE: Caxambu, Minas Gerais (2)
Carvalho, Francisco de Assis - Entre a palavra e o chão: Memória Toponímia da Estrada Real, São Paulo, 2012 (3)
Jornais: O Baependiano, O Bohemio, O Patriota
Instituições e Igrejas no Bispado de Mariana, Cónego Raimundo Trindade, in Sphan, Serviço do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional, 1945.
Curia Diocese de Campanha(4)
Dicionário Geografico, 1894
Wikipédia
Familia Search
Leme, Luiz da Silva Gonzaga, Genealogia Paulistana, 1905
Fotos:
Arquivo privado
Fotos antigas de Caxambu
Foto: Graça Pereira Silveira
Agradecimentos:
Agradecemos ao ARQUIVO HISTÓRICO DO EXÉRCITO (AHXE), DIVISÃO DE HISTÓRIA E ACESSO A INFORMAÇÃO (DHAI), na pessoa do Major Ferreira, que colocou à disposição do nosso blog vários mapas.
Todos os direitos são de propriedade do Blog da Família Ayres, nas pessoas de Graça Pereira Silveira e Solange Ayres. Reprodução na integra ou em parte do texto somente com autorização das pessoas citadas.
Edição: Paulo Barcala
postado Solange Ayres às domingo, outubro 29, 2017
Colaboração Blog Família Ayres
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