Cafeicultora de 94 anos produz acima da média nacional em MG: 'Cuido para Deus'

Dona Enriqueta Miranda Carvalho Silva dedica 60 anos às lavouras de café em Três Pontas (MG).



Os passos são lentos. O equilíbrio já não é mais o mesmo. Mas o cuidado com que as mãos desgastadas pelo tempo tocam as folhas da lavoura faz entender o sucesso de quem há seis décadas vive do café. Aos 94 anos, Enriqueta Miranda Carvalho Silva, uma das cafeicultoras mais experientes do Sul de Minas, produz mais do que a média de Minas Gerais e do país, segundo a Cooperativa dos Cafeicultores de Três Pontas (MG), a Cocatrel. Dona Enriqueta diz não ter a mesma empolgação de antes. Mas o amor pela lavoura, isso não mudou: “Nada disso é meu. A terra, o café, tudo é de Deus. Eu cuido pra ele”, resume.

Viúva há 35 anos, Dona Enriqueta não teve filhos e só se casou uma vez na vida. “Nem sei como eu me casei”, revela durante conversa com o G1, dando gargalhadas. Se dedicou ao marido por apenas 12 anos, antes que o destino o levasse em um acidente de carro. Já o café, esse é o companheiro de sempre, desde os primeiros passos.

“Eu nasci na Fazenda do Pinhal. Quando eu plantei meu primeiro pé de café eu era mocinha nova, lá no Jacarandá, eu tinha no máximo... (não se lembra). Nasci praticamente numa lavoura de café. Depois meu pai faleceu e eu tive que ir pra cidade estudar”, conta Enriqueta, se distraindo neste momento apenas com um avião que passava pelo céu. “Olha lá o avião”, mostrou, com a simplicidade de uma criança.




Na cidade, Dona Enriqueta fez de tudo um pouco e se formou professora. Em sociedade com amigas, fundou o Colégio São Sebastião, que funcionou por alguns anos na cidade. Passando dificuldades, economizou dinheiro e junto com uma de suas irmãs, comprou um terreno e construiu uma casa com materiais comprados a prazo. Assim que a obra ficou pronta, a casa foi vendida e com parte do dinheiro, plantaram um alqueire de café cada uma na fazenda dos pais.

“Naquele tempo não tinha trator, não tinha nada, não tinha caminhão, era tudo na base na enxada, era tudo difícil. Com o tempo a gente já começou a colocar as técnicas novas na fazenda. Hoje ficou mais fácil. É que o povo aceitava também, tudo depende da época”, conta Enriqueta.

Sempre ligada ao café, foi a partir da morte da mãe e do marido em um acidente de carro, em 1982, que Dona Enriqueta embalou de vez na cafeicultura, investindo na compra de terras e na formação de lavouras. Empreendedora, buscou conhecimento e se atualizou com as novas tecnologias. O dinheiro do café também a ajudou a abrir uma loja e uma papelaria na cidade em parceria com as irmãs.


Em 60 anos, o 1 alqueire de lavoura plantado na década de 1950, se multiplicou, chegando a 50. Hoje, ela possui 100 hectares só de lavoura, com 350 mil pés de café e produção média de 3 mil sacas por ano.

“Enriqueta Miranda é um sucesso na cafeicultura. Para nós é um motivo de orgulho, porque praticamente a vida de cafeicultura da Dona Enriqueta, coincide com a vida da Cocatrel. Ela é um exemplo para outras mulheres que têm vontade de ser também produtora rural, ser cafeicultora. Ela é uma produtora altamente tecnificada. Com a idade já bastante avançada, tem uma média de produção acima da média de Três Pontas e muito acima da média do Brasil. Ela é um exemplo de pessoa para se valorizar, é uma cafeicultora de alta produtividade”, diz o presidente da Cooperativa dos Cafeicultores de Três Pontas, a Cocatrel, Francisco Miranda Figueiredo Filho.


Para cuidar de tudo isso, a cafeicultora conta com um administrador de confiança e uma equipe, que a mantém atualizada de tudo o que acontece na propriedade. A fazenda, que já chegou a ter 200 funcionários, hoje conta com 30 trabalhadores, em grande parte devido à modernização, com as novas técnicas e tecnologias que foram implantadas ao longo do tempo. Uma vez por semana Dona Enriqueta vai até a lavoura para conferir o trabalho que está sendo feito.




“A fazenda dela é uma fazenda bem cuidada, ela sempre foi exigente com as coisas. Ela gosta do ‘trem’ bem feito e financeiramente, gosta de pagar bem os empregados. Pagando bem, ela gosta da coisa bem feita. Ela está sempre junto. Se ela chegar aqui e topar com coisa errada, ela puxa a orelha, ela é exigente”, conta o administrador da fazenda, Donizete Fagundes Gouvêa.

"É uma satisfação imensa, uma alegria muito grande, ela confia em mim, é uma responsabilidade grande. Uma mulher dessa idade, uma inteligência danada. Às vezes a gente se inspira por ela. Às vezes você desanima de alguma coisa, mas você pensa nela e você se anima. É um exemplo de vida a Dona Enriqueta", completa Donizete.




Apesar de tudo que construiu e da dedicação de décadas à lavoura, Dona Enriqueta não se define como uma grande produtora. Ela se sente a serviço de um bem maior. A paixão pela lavoura é tanta, que só de pensar em mexer nela, Dona Enriqueta já sente remorso.

“Tem que apreciar porque é uma coisa muito bonita. Eu já não tenho aquele entusiasmo que eu tinha. Agora é levar pra frente, não pode é abandonar, tem que cuidar. A idade, com 94 anos, dificulta. Agora, o meu agrônomo quer arrancar e plantar uma nova lavoura. Eu não vou aproveitar essa lavoura, eu vou? Eu vou cuidar dela, mas quando ela começar a dar café, eu já não estou mais nesse mundo”, diz Dona Enriqueta, num misto de lucidez e tristeza, diante da incerteza de talvez não ter como fazer ainda mais.


“Eu sempre gostei, porque tem que gostar. Tem gente que faz tudo o que eu faço, sem gostar. Eu faço apreciando, sempre gostei muito, sempre fiz com amor. Nada é meu. Aqui tudo é de Deus, eu tô cuidando para Deus. A terra não é minha, o café não é meu, mas eu tenho que cuidar bem, porque eu sou administradora de Deus”, diz Enriqueta.




Perguntada se pretende comemorar seus 100 anos na lavoura, a resposta vem com um misto de incerteza e esperança.


“Ah, só Deus sabe, não tenho coragem de me livrar, depende da minha saúde, enquanto eu estiver viva. Falta pouco tempo né, (para os 100 anos) mas eu não sei. É um amor de Deus pela lavoura, eu estou cuidando para ele. É assim que eu vou deixar aí para outro cuidar, porque eu não vou levar né?”, completa Dona Enriqueta, esbanjando a paz da missão cumprida.

Fonte: G1 Sul de Minas