Baleia Azul: por que ainda ninguém foi preso por incentivar o suicídio?

Quem instiga alguém a se suicidar está cometendo crime, mas a identificação de quem age na internet é mais complicada.




Por Joana Neitsch [19/04/2017]
Gazeta do Povo. 

A onda de preocupação gerada pelo jogo Baleia Azul leva ao questionamento sobre quais medidas podem ser adotadas para prevenir o envolvimento, especialmente de adolescentes, no jogo que pode levar ao suicídio.

A atuação da família e da escola vem sendo apontada como fundamental, mas também há expectativa sobre como o poder público pode reagir e como as pessoas que promovem esse jogo da morte podem ser contidas e responder pelos seus atos.

Até agora, já há notícia de duas mortes no Brasil relacionadas ao jogo: uma adolescente de 16 anos do Mato Grosso e um jovem de 19 de Minas Gerais.

Mesmo que eles tenham mesmo consumado o ato por conta própria, pessoas que o estimularam também devem responder por isso. E até mesmo quando o suicídio não ocorre há responsabilidade de quem o incentiva.

Em Curitiba, por exemplo, até agora a Secretaria Municipal de Saúde registrou oito casos relacionados ao jogo Baleia Azul.

O direito brasileiro considera crime o induzimento, instigação ou auxílio a suicídio. O Código Penal prevê pena de dois a seis anos para esses atos, caso ocorra a morte.

Se houver tentativa que resulte em lesão corporal grave, a pena é de um a três anos. A pena será duplicada se e a vítima for menor de idade ou tiver a capacidade de resistência reduzida.

O jurista Luiz Flávio Gomes, especializado em direito penal, explica que o induzimento ao suicídio ocorre quando a pessoa não pensava em se suicidar e alguém lhe dá a ideia. Já a instigação, é quando a pessoa já tem ideias suicidas e é incentivada.

As pessoas que dão orientações via internet sobre as etapas no jogo são conhecidas como curadoras. Elas abordam os participantes em grupos do Facebook ou via WhatsApp.

O advogado e professor de direito penal do Unicuritiba Alexandre Knopfholz explica que, como o “jogo” se dá no meio digital, o desafio é identificar quem está atuando como curador.

Mas ele diz que delegacias especializadas em cibercrime podem quebrar IPs e rastrear de onde vêm as postagens.

É possível que a vítima seja de Curitiba, mas o curador esteja em outra região do país. Nesse caso, a competência sobre o caso e as medidas no âmbito da Justiça permanecem aqui, mas diligências precisariam ser feitas em parceria com a polícia do local onde está o criminoso.
Prisão preventiva

Do ponto de vista do direito penal, uma alternativa seria decretar a prisão preventiva daqueles que estiverem instigando o suicídio. Ocorre que os especialistas na matéria consideram pouco provável a prisão preventiva para esses casos, ainda que não descartem essa possibilidade.

Gomes explica que, como a punição para esse crime é baixa, a preventiva acaba não se sustentando. Se não for duplicada, a pena máxima é de seis anos, ou seja, se houver punição, o regime será o semiaberto e, portanto, não teria lógica manter o suspeito em regime fechado durante a medida cautelar.

Knopfholz considera que não bastaria constatar que pessoa está cometendo o crime para prendê-la, mas após sua abordagem, seria necessário observar se ela continua cometendo o ato.

Apesar de não concordar, ele observa que existe o argumento da “gravidade concreta”, que pode ser adotado para que, em um caso que represente grande risco, a prisão preventiva seja imediata.

Se o curador for menor de idade, não se fala em pena ou prisão preventiva, mas em medida protetiva. Nesse caso, o adolescente poderá ser encaminhado para acompanhamento psicológico ou até mesmo internação.
Direito não dá conta

O presidente da Comissão de Inovação e Gestão da OAB-PR, Rhodrigo Deda, observa que o WhatsApp e o Facebook devem contribuir para localizar as pessoas que atuam como “curadoras da morte” – que é como ele chama os incentivadores do jogo. “[As empresas] devem dar condições às investigações. São aplicativos comerciais, que não podem ser suporte para crime”, observa.

Para Deda, caso não colaborem, as empresas devem pagar multas, mas não devem ficar sujeitas a bloqueios por determinação judicial como já ocorreu em outros casos de investigação criminal.

“Mas não significa que o direito não tenha como atuar”, aponta o presidente da Comissão de Inovação, que defende que haja estímulos para políticas públicas que tratem do tema sem tabu: “Precisamos falar sobre suicídio”, diz.

Outras medidas relevantes, na visão de Deda, são ações que se preocupem em entender as pessoas que se voltam para esse tipo de desafio, seja por curiosidade, seja por distúrbio psicológico; e o fomento de ações em defesa da vida.