No entanto, para a Central Única das Favelas (Cufa), entidade que em setembro será premiada pela Organização das Nações Unidas (ONU), favela é qualquer aglomerado urbano com alto índice de exclusão social. E elas existem em muitas das regiões do estado, tanto que a Cufa já estendeu seu trabalho para cidades do interior do estado e de todo Brasil onde, oficialmente, não existem favelas. “No interior, o que tem acontecido é a reprodução, em menor escala, das favelas dos grandes centros, com todas as suas mazelas, como exclusão social, falta de serviços básicos e comércio de drogas com estruturas organizadas e disputa de gangues de traficantes”, afirma Francis Henrique, de 36 anos, presidente da Cufa mineira e que assume em setembro o comando nacional da entidade. “A favela avançou muito nos últimos anos em todo o Brasil. Se eu levar alguém a uma favela de Mariana, cidade considerada patrimônio histórico mundial, não vai ver muita diferença de uma favela da capital. Às vezes, essa situação no interior é até pior, porque as prefeituras pequenas têm menos recursos e em algumas situações, menos preocupação com essa situação”, afirma Francis. Segundo ele, muitos administradores públicos, por preconceito, rechaçam o termo favela. “Mas o que existe é favela mesmo”, afirma.
A pequena Padre Paraíso é um exemplo da favelização em municípios do interior do estado. Cortada ao meio pela BR-116, a cidade, com cerca de 19 mil habitantes, chama a atenção de quem passa pela rodovia não por causa do portal que anuncia ser ali a entrada para o Vale do Jequitinhonha – uma das regiões culturalmente mais ricas do estado, com uma população de quase 1 milhão de habitantes, que sofre com a seca prolongada, que afeta a economia da região –, mas pela quantidade de casas incrustadas em dois morros. De longe, a imagem lembra os aglomerados dos grandes centros urbanos. De perto, a realidade não é diferente. Muitas moradias são precárias, e lá no topo de um dos dois morros, onde fica o mais recente conjunto habitacional da cidade, batizado de Bela Vista, as ruas são de terra e não há nenhum serviço público, como creche ou escola.
SEM INFRAESTRUTURA O lixão do município fica a poucos metros de distância. Não há nem mesmo transporte coletivo, o que contribui para a evasão escolar e dificulta a vida da população, principalmente dos idosos. No dia em que a reportagem esteve na cidade, muitas crianças não foram à escola. A desculpa é a ladeira íngreme que consome 30 minutos de caminhada para ser vencida sob o sol do meio-dia. Consumidores de crack ficam zanzando pelo local e a cidade já registra casos de mendigos e moradores de rua. O Bela Vista é controlado por uma gangue de traficantes, que rivaliza com os que comandam a distribuição e venda de drogas no Bairro João de Lino, no morro do lado. A violência domina toda a cidade. Somente este ano, já foram 11 assassinatos. Ao todo, já foram registrados, até maio deste ano, 29 crimes violentos, contra cinco no mesmo período de 2012, quando essas estatísticas começaram a ser divulgadas pelo governo do estado.
Em outro bairro, o Caldeirões, na região mais plana da cidade, as casas não têm titulação, as ruas não são asfaltadas e a água não é tratada. No local, moram cerca de 25 famílias que se cotizaram e pagam uma taxa mensal para uma pessoa ligar a bomba que puxa água de uma mina três vezes ao dia. Ao lado desse pequeno aglomerado, novas ruas começam a ser abertas para, segundo moradores, um conjunto que está sendo feito. Um dos moradores do local é Arnaldo de Guerra Jesus, de 56, que comprou o terreno onde mora por R$ 3 mil. “Estava vivendo de aluguel e não aguentava mais pagar, aí comprei este terreno e construí esta casa”, conta Arnaldo, que sobrevive transportando pessoas em um carro particular. Do lado dele, reside dona Jovina Rodrigues, 71 anos, que deixou a zona rural de Joaíma, também no Vale, há cerca de oito anos e passou a viver de aluguel em Paraíso. Sem conseguir pagar, foi morar na casa que o filho, que mora e trabalha em Mato Grosso, construiu para ela. A prefeita de Padre Paraíso, Neia de Saulo, não foi localizada para comentar a situação dos aglomerados da cidade.
3,8% da população brasileira morava em favelas em 2000. Em 2010, esse percentual era de 6%, ou 11,4 milhões de pessoas morando precariamente em todo o país
Em 2010, existiam oficialmente 372 favelas em Minas Gerais, distribuídas em 33 municípios, com uma população de 598,7 mil habitantesA menor cidade com registro de favela em Minas Gerais foi Bandeira, no Vale do Jequitinhonha, com 5,8 mil habitantes. É um aglomerado de 167 casas com 585 moradores, batizado de Colina. A maior é Belo Horizonte, com 87,7 mil habitações e 307 mil moradores em aglomerados
Fonte: Estado de Minas