O teatro em Caxambu






No dia 12 de outubro de 1954 foi fundado o Departamento de Teatro do Clube Recreativo Atlético Caxambuense (CRAC), numa iniciativa de Luiz Silveira, Manoel Santos e Naif Rafael (foto). Este último, por sinal, foi quem me deu todas as informações sobre a trajetória daquela companhia amadora de teatro e que tanto encantou, divertiu e emocionou não só o público de Caxambu como, principalmente, os turistas que para aqui acorriam entre 1954 e 1960.
Dentre tantos que participaram daquele grupo, também se destaca o apoio técnico às apresentações: Cerny (contrarregra); Oto Roza (sonoplasta); Gino Peterle e José Silveira (cenógrafos); Duarte Brochado (guarda-roupas); Álvaro Ramos e José Rosa (eletricistas); Noé Sacchi Gomes, Aluisio Menezes e José da Rocha (maquinistas); Silvia Figueiredo, Silvio Ferreira e Cacilda Marques (maquiadores). Luiz Silveira era o Diretor do Departamento de Teatro e Diná Menezes a subdiretora do Departamento Feminino.
A partir de sua criação, dezenas de peças de renomados autores nacionais e internacionais foram levadas a efeito, com destaque para a comédia em 3 atos “Cala a boca, Etelvina”, de Armando Gonzaga; “Morre um gato na China”, uma divertida comédia em 3 atos do afamado Pedro Bloch.
No período de outubro de 1954 a outubro de 1955 foram montadas 11 peças, sendo 33 representações (3 de cada peça). Naif Rafael (então tesoureiro do grupo e ator) em 25 de outubro de 1955 expressava o agradecimento do grupo teatral ao então Presidente do CRAC, Walter Toledo Menezes, que acreditou e incentivou essa significativa célula de cultura na cidade de Caxambu. Da mesma forma, ao Governador eleito do Estado de Minas Gerais, Dr. José Francisco Bias Fortes, que, estando em Caxambu com a família, prestigiara o espetáculo “O divino perfume”, de Renato Vianna, encenado em 24 de outubro daquele ano.
“Deus lhe pague”, de Joracy Carmargo, foi por diversas vezes interpretada, da mesma forma que “O último Natal”, de Amaral Gurgel, um “verdadeiro cavalo de batalha”, na expressão de Naif Rafael.
Dentre os atores mais constantes do grupo teatral estavam o próprio Naif Rafael, Luiz Silveira, Genilda Peterle e Americana Silveira, esta com talento e beleza incomuns. Admirados pelo público da cidade, como também, e principalmente, pelo público em trânsito nos hotéis de Caxambu, o Grupo de Teatro do CRAC foi alvo de aplausos e elogios os mais diversos, mesmo porque encenava peças, inclusive, para eventos especiais ocorridos na cidade, assim como Convenções do Rotary Clube e a 5ª Semana do Cinema Brasileiro, aqui acontecida em abril de 1956. Isso mesmo! Caxambu já sediou a Semana do Cinema Brasileiro, evento que a partir de alguns anos passou para a cidade de Gramado, no Rio Grande do Sul.
Encenando grande número de peças entre os anos de 1954 e 1960, o grupo mereceu aplausos acalorados das mais variadas plateias. Exemplo disso, quando da realização da 5ª Semana do Cinema Brasileiro, em abril de 1956, aqui estiveram personalidades marcantes do cinema e do teatro brasileiros.
Gilda de Abreu e Vicente Celestino naquela ocasião foram enfáticos: Encontramos no Teatro do CRAC um grupo de artistas que nos emocionaram profundamente pela disciplina e entusiasmo que se sentia durante toda a bela peça ontem representada. É por isso que deixamos aqui impresso o nosso grande entusiasmo.
Outro expoente do cinema nacional, Anselmo Duarte, na mesma ocasião e pela mesma peça encenada – “Os transviados ou o Último Natal”, de Amaral Gurgel -, assim se manifestou: Assisti a representação da peça ‘Os transviados’ pelos artistas do CRAC. Um espetáculo digno da plateia mais exigente, pois os artistas que tive a imensa satisfação de ver representando são melhores que muitos profissionais e dignos do aplauso do público mais exigente do Brasil. A esses rapazes que dirigem o CRAC e aos magníficos artistas os meus mais sinceros parabéns. Nessa oportunidade, o grupo teatral se fez representar por Luiz Silveira, Francisco Castilho, Diná Menezes, Manoel Santos, Americana Silveira, Naif Rafael e Duarte Brochado.
Considerada um outro “cavalo de batalha” a peça “Irene”, de Pedro Bloch, foi encenada por diversas vezes em ambiente doméstico e em outros locais, assim como em Cruzília, Baependi, Lambari e São Lourenço. No entanto, dignas de nota foram as apresentações em Caxambu em duas oportunidades: a primeira delas, no dia 28 de outubro de 1956, homenageando Eliza Guedes e Alda Mello, ambas por terem conquistado o título de “campeã mineira de tênis”, nas modalidades simples e dupla feminina; a segunda, nos dias 29 e 30 de janeiro de 1957, em benefício da construção do monumento ao Cristo Redentor no alto do Morro do Caxambu. Em ambas as representações, a equipe teatral era secundada no ponto por Salma Sarkis.

A peça “Irene”, vendo-se em cena Álvaro Clébicar, Americana Silveira e Diná Menezes

Genolino Amado foi outro grande autor teatral que honrou com o seu nome peças encenadas pelo grupo amador do CRAC.  Nascido em Sergipe, membro da Academia Brasileira de Letras, foi um dos mais afamados teatrólogos brasileiros do século XX, apresentando um afamado programa na Rádio Nacional intitulado “Crônica da Cidade”.  A peça “Avatar”, de sua autoria e escrita em 1948, é uma comédia em 3 atos, inspirada num conto de Theóphile Gauthier, sendo na ocasião de sua estreia o papel de Lúcia interpretado pela talentosa Alice Silva.
“Compra-se um marido” também merece registro: comédia em 3 atos, de autoria de José Wanderley, várias vezes encenada, merecendo o aplauso acalorado de veranistas e residentes de Caxambu. A foto a seguir mostra uma cena do 2º ato, estando presentes na mesma Álvaro Clébicar, Genilda Peterle e Naif Rafael.



A presença do teatro em nossa cidade, nos chamados “Anos Dourados” da cultura brasileira, foi uma agradável realidade, devendo-se mencionar o apoio incondicional sempre emprestado por Júlio Pereira, então proprietário do Hotel Caxambu, não fosse ele um ex-ator do cinema português, tendo atuado com grande destaque no longa metragem “Luiz de Camões”.
Lembramos, também, por dever de justiça, de outros artistas que representaram no grupo teatral do CRAC, para que a posteridade reconheça o esforço e o valor de cada um deles: Álvaro Ramos, Dóra Luz, Elba Brochado, Elza Dauanny, Genovena Máximo, Ilma Ferraz, Lúcia Magalhães, Maria do Carmo, Marília Caldas, Nilza Menezes, Paulo Sacramento, Rilma Viotti e Ubirajara Mosqueira, além da competente participação de José Pereira Dantas como cenógrafo, garantindo a todos os espetáculos uma qualidade digna das grandes casas teatrais de outras praças.
Além das peças já nominadas anteriormente, dignas de nota são: “Cala a boca, Etelvina”, uma comédia de Armando Gonzaga; “Retalho”, um melodrama em 3 atos traduzido por Dário Nicodemi; “O Isidoro”, comédia em 3 atos de João Garrucha; “Morre um gato na China”, comédia em 3 atos de Pedro Bloch; “Se Anacleto soubesse”, comédia em 3 atos de Paulo Orlando; “Aconteceu naquela noite”, em 3 atos, de autoria de J. Wanderley e D. Rocha; “O diabo enlouqueceu”, comédia de Paulo Magalhães em 3 atos; “Apuros de um coronel”, comédia em 2 atos, de autoria de Teixeira Pinto; o afamado “Deus lhe pague”, do consagrado dramaturgo Joracy Camargo e a internacionalmente conhecida “Casa de Bonecas”, do dramaturgo norueguês Henrik Ibsen, que mereceu, após a sua apresentação, o seguinte comentário do então Presidente do Conselho Deliberativo da Associação Paulista de Imprensa: Nada mais fácil do que elogiar o grupo de teatro amador do CRAC nesta apresentação. Seus intérpretes deram uma demonstração de conhecimento de teatro que muitos profissionais gostariam de possuir. Posso afirmar, dentro da experiência que possuo, que os amadores do teatro de Caxambu farão sucesso em qualquer cidade onde o teatro seja mais difundido. Desejo felicitar o CRAC e, em particular o diretor artístico, Julio Pereira, a quem se deve, como é óbvio, muito desse sucesso, senão todo.
        
Wilson Grey, um dos mais conceituados atores nacionais, também esteve em Caxambu, por ocasião da 5ª Semana Nacional do Cinema, e, na oportunidade, deixou gravado o seu depoimento com relação ao teatro do CRAC: Assisti a representação dos artistas amadores do grupo C.R.A.C. em companhia dos meus companheiros do Rio e confesso sem querer agradar que fiquei verdadeiramente impressionado com a representação desses jovens que merecem toda admiração não só do povo local como de toda cidade onde a cultura penetrou. Termino pedindo a Deus sinceramente que ajude estes jovens já que as nossas autoridades não o fazem. Wilson Grey, cujo nome verdadeiro era Wilson Chaves, nasceu no Rio de Janeiro em 1923 e ali faleceu em 1993; foi o ator brasileiro com a maior filmografia, construída em mais de 40 anos de trabalho e tem seu nome inscrito no Guiness Book.
Em 1956, também por conta da já mencionada Semana Nacional do Cinema, um outro famoso casal daria suas impressões sobre o teatro amador do CRAC: a consagrada acordeonista Adelaide Chiozzo e seu marido, o musicista Carlos Mattos, que assim se expressaram sobre o nosso grupo teatral: Vivemos a grande satisfação de assistirmos a peça Irene. Satisfação esta causada pelo desempenho dos artistas que dela participaram. Fazendo votos de crescente êxito em suas representações futuras, aqui deixamos nossas assinaturas, assinaturas estas portadoras dos melhores votos de boa sorte. Carlos Mattos nasceu no Rio de Janeiro em 1926 e ali faleceu em 2006; era violonista e professor de violão; Adelaide Chiozzo (foto) nasceu na cidade de São Paulo em 1931. Participou de grande número de filmes da extinta Atlântida, quase sempre na companhia de Oscarito, Grande Otelo, Ivon Curi e Eliana. Adelaide participou de algumas novelas na televisão, sendo o seu último trabalho em “Feijão Maravilha”. Recebeu da Revista do Rádio o título de “Namoradinha do Brasil” (muito antes de Regina Duarte).
Também dignos de notas foram os depoimentos consignados pela professora de teatro da Escola Celestino da Silva, do Rio de Janeiro, Juranda das Dores Gomes; da professora Yara Perdigão-Drapier, de São Paulo e do casal Arthur Donato e Hermínia Faro Donato, que passaram as suas bodas de 35 anos de casamento em Caxambu: É verdadeiramente encantador encontrar-se n’um meio fraco de recursos, o ânimo entusiasta de um grupo de estudiosos  para a realização de um templo de arte como o que nos foi dado apreciar no espetáculo desta noite. Sobre este casal, ainda cabe uma anotação: o grande escritor Pedro Nava, em sua obra Chão de ferro, lembrou, através de um dos seus personagens, sua intimidade com o general Silva Faro, pai de Arthur Donato, traçando uma bela estampa da moça: Hermínia tinha olhos de água-marinha.

Paulo Paranhos