Garçonetes 'deixam avental' e investem no sonho do próprio restaurante em Monte Verde

Setor de gastronomia é oportunidade de empreendedorismo em distrito turístico de MG.





Por Daniela Ayres, G1 Sul de Minas

Quando entra na cozinha do restaurante, os olhos de Isabel Oliveira brilham. Do lado de fora, Letícia Borges arregaça as mangas e ajeita placas que decoram as paredes no entorno das mesas. Há um ano, elas abandonaram o trabalho de garçonete para construir um pequeno sonho: ter um restaurante próprio. É logo na entrada de Monte Verde (MG) que os planos traçados durante quase uma década se transformam em pratos cheios de tradição e requinte.


No conhecido centro turístico do Sul de Minas, a população do distrito pertencente a Camanducaia (MG) dobra a cada fim de semana. No inverno, os 170 hotéis e pousadas chegam ao limite de atendimento, atraindo visitantes que procuram aconchego e tranquilidade nas baixas temperaturas que deram à região o apelido de "Suíça Mineira". Paralelo a esse movimento, o setor gastronômico logo ganhou fôlego e hoje representa 42% da renda local e 8% dos ganhos da cidade sede, segundo dados da Secretaria Municipal de Turismo.




Desafio

Histórias surpreendentes em torno da origem de muitos restaurantes e bistrôs não faltam. Muitos foram abertos por pessoas que se destacavam em suas áreas de atuação em grandes centros urbanos, como São Paulo (SP), viajando inclusive pelo mundo, e optaram por uma vida mais tranquila no interior de Minas. Engenheiros, executivos e até químico nuclear estão entre os curiosos empreendedores da gastronomia de Monte Verde.

Isabel e Letícia, no entanto, perceberam que mais que um local atraente para aqueles que possuíam uma vida financeira estabilizada, o distrito de cerca de 5 mil habitantes era uma oportunidade para mudar o destino de cada uma.



Arriscando tudo


Apesar de promissor, investir em um restaurante em Monte Verde parecia um projeto de realização quase impossível para Letícia e Isabel até o dia em que as duas resolveram arriscar tudo para deixar o avental de lado. "Na verdade, a gente ainda serve as mesas", ri Letícia. "Aqui a gente faz tudo. O retorno do investimento vai demorar pra vir porque a gente continua investindo."

Dos 34 anos de vida, Letícia passou 20 como garçonete. Aos 18 anos, Isabel entrou para o mercado de trabalho e logo virou garçonete também. Juntas, elas trabalharam em restaurantes de Monte Verde e Campos do Jordão (SP). Aprenderam na prática como gerir um negócio próprio.

"Eu queria fazer faculdade de gastronomia, só que trabalhando direto ficou difícil. Mas de tudo o que a gente faz a gente aprende alguma coisa. Eu nunca trabalhei em cozinha. Eu aprendi observando. Quando foi pra abrir aqui, eu resolvi entrar de cara mesmo. A minha cozinha é pequena, mas eu organizei para ela ser funcional, para não ter que andar de um lado para o outro. Eu cozinho por intuição. Pesquiso muito também. Eu não fico parada", conta Isabel, hoje com 25 anos.


De olho nos bons exemplos


E foi assim, observando as empresas que deram certo, que Letícia viu a chance de empreender. "O projeto inicial era ter um carrinho de cachorro-quente. Ter um carrinho ali na vila [parte do distrito fora da área comercial e onde a população reside], que era mais barato. Nunca que a gente achou que conseguiria logo um lugar como esse", relata.

Em 2015, as agora jovens proprietárias de restaurante pegaram todas as economias, venderam carro e até um pequeno terreno pensando no momento em que a grande chance apareceria. Em 2016, o ponto comercial surgiu. "Aos poucos, vamos deixando mais com a nossa cara", diz Letícia.


Festival de gastronomia

Comemorando 1 ano de atividades, o restaurante das ex garçonetes passou por reformas e ganhou adereços que remetem ao mundo automotivo- um chamariz extra para os visitantes. Lá dento, Isabel cuida dos detalhes do cardápio e até criou um prato novo: o "SP 2 Turbinado", referência a um carro clássico da Volkswagen e que representará a dupla na 8ª edição do Festival Gastronômico de Monte Verde, que neste ano acontece de 18 a 29 de outubro.

"Tinha acompanhamento com purê de abóbora, farofa de pinhão, só que não era do meu agrado", conta Isabel sobre o processo criativo da receita que leva porções generosas de costelinha de porco com risoto de abobrinha na casquinha de queijo parmesão. "Tinha que ter uma coisa mineira mesmo. Só que todo mundo faz alguma coisa com pinhão [semente abundante no distrito]. Eu queria fazer uma coisa diferente, que ninguém iria fazer. A maioria do pessoal gosta da abóbora e a costelinha cai bem com molho à base de vinho. Vamos ver o que o pessoal vai achar."