O direito à manifestação e a depredação



O impeachment da então presidente Dilma Rousseff gerou revolta de grupos alinhados com a ideologia do partido; em virtude disso, na última semana têm sido recorrentes as manifestações contrárias ao atual governo e, infelizmente, quase todas têm gerado depredações e confronto entre os manifestantes e as forças policiais.

São, de fato, alguns indivíduos que se aproveitam de um movimento para agir contra legem. Não se pode generalizar uma manifestação política por atos de alguns integrantes, mas é importante ressaltar o quão boçal é este tipo de conduta, que só gera ainda mais embate e menos diálogo entre os opostos.


Muitos dos manifestantes ressaltam a existência do direito de liberdade de expressão e de manifestação; alguns, inclusive, justificam as depredações, definindo-as como irrelevantes, ou até como parte do direito de manifestação.

Alega-se que não se altera as coisas sem o uso da força. Mas será?

A Constituição da Republica Federativa do Brasil é uma das mais analíticas do mundo.

O Constituinte foi extremamente prolixo ao arrolar os direitos e garantias fundamentais dos indivíduos, algo decorrente do momento em que foi criada (pós regime militar), em clara tentativa de evitar o desrespeito a algumas prerrogativas do indivíduo, dentre elas, a liberdade de expressão e de manifestação, dispostas nos incisos IX e XVI do artigo 5º.

Mais do que meras normas programáticas, os dispositivos têm eficácia plena e tamanha importância que foram arrolados logo no artigo 5º, sendo exemplos claros de cláusula pétrea, não podendo ser restringidos ao ponto de esvaziar seu conteúdo ou diminuí-lo substancialmente.

É fundamental que um Estado Democrático de Direito assegure aos cidadãos o Direito de se expressar livremente, de reunir-se e de manifestar-se.

No entanto, é cediço que nenhum direito é absoluto; afinal, todo direito enseja um dever: o direito de liberdade de expressão gera para o terceiro o dever de aceitar as opiniões adversas, ainda que com elas não concorde.

Não se trata de relativizar tudo, mas a vida em sociedade exige bom senso.

Constantemente direitos fundamentais entram em rota de colisão. Nesses casos, faz-se necessária a aplicação da técnica da ponderação.

Assim, os direitos são sopesados; um sobressai-se sobre o outro, mas nunca o revoga. O ideal é que se respeite o núcleo intangível de todos os direitos, mas eventualmente haverá uma redução de um em prol de outro direito.

O abuso de direito caracteriza ato ilícito, na forma do art. 187 do Código Civil.

Não é tarefa fácil caracterizar o abuso de direito; o excesso, em regra, só pode ser verificado no caso concreto.

É certo, contudo, que depredar o patrimônio público e o privado não é um direito. Tampouco a depredação está abarcada nos direitos de manifestação ou de liberdade de expressão.

O constituinte, aliás, foi extremamente minucioso ao exigir o óbvio: o direito à manifestação deve ocorrer "pacificamente, sem armas" (inciso XVI do art. da CF).

E nem poderia ser diferente: não se pode chamar de "liberdade", e nem de"direito", o ato que ato afronta diretamente e substancialmente um direito alheio.

O mesmo artigo 5º que assegura tais direitos também dispõe, em seu inciso XXII, que "é garantido o direito de propriedade".

A propriedade é, portanto, tão relevante quanto o direito à liberdade de expressão e o direito à manifestação, pois não há hierarquia in abstrato de princípios e/ou direitos constitucionais, pois, como dito, a prevalência só pode ser verificada in concreto, após a utilização da técnica da ponderação.

Tanto é assim que o Código Penal deixa claro que configura crime"destruir, inutilizar ou deteriorar coisa alheia" (art. 163 do CP).

Não se trata de eficácia meramente vertical do dispositivo Constitucional que consagra o direito à propriedade. Cabe também aos cidadãos respeitar o direito dos terceiros (eficácia horizontal dos direitos fundamentais).

Direito à manifestação não é direito à depredação, não é salvo conduto para a prática de ilícitos. É o óbvio, é notório, mas para pessoas ignorantes e mal intencionadas obviedades precisam ser minuciosamente explicadas.



Hyago de Souza Otto
Assistente de Promotoria no MPSC
Bacharel em Direito pela UNOESC. 
Apaixonado pelo Direito e pela Política.